Sou juiz há dez anos e desde então a economia brasileira só cresceu; logo, eu sou responsável pelo crescimento do país. As galinhas são aves e aves voam, por isso as galinhas voam. Os fantasmas existem, pois ninguém provou que não.
Estes argumentos parecem corretos, certo ? Eles têm a aparência de corretos, estrutura correta, mas de alguma forma as conclusões não tem jeito de corretas.
Tal como na propaganda de antigamente do “Shampoo Denorex”, que tinha cheiro de remédio, embalagem de remédio, mas não era remédio (de onde surgiu o famoso bordão “parece, mas não é”), os argumentos do primeiro parágrafo parecem corretos, mas não são.
Evidentemente eu não sou responsável pelo crescimento econômico do país (embora até possa ter a minha quase ínfima parcela), as galinhas não voam e os fantasmas, se existem, ninguém sabe ao certo.
Eles são exemplos de Falácias, isto é, formas incorretas de se argumentar.
No primeiro caso, a “falsa causalidade”, onde se fatos totalmente independentes (eu ser juiz e o Brasil crescer) são apresentados conjuntamente, como se um fosse a causa do outro. [Aliás, não poderia ser o contrário, ou seja, eu sou juiz porque o Brasil cresceu ?]. É interessante como este tipo de “falsa relação de causa e efeito” pode ser notada no cotidiano: a venda que seria feita de qualquer forma, porque o cliente apareceu no local, mas que é atribuída à suposta capacidade de venda do vendedor.
Já abordei um tipo específico de falácia em outro “post” (sobre como falar uma mentira dizendo verdades, clique aqui).
As galinhas não voam, apesar de serem aves, e o argumento é falacioso porque foi tomada uma regra geral de um atributo (voar) de uma classe de elementos (as aves) como única possível para todos os elementos, quando alguns deles são exceção, já que este atributo (voar) é algo acidental, e não essencial (isto é: a ave é ave não porque voa, mas sim porque são animais vertebrados, bípedes, homeotérmicos, ovíparos, caracterizados principalmente por possuírem penas). O uso equivocado destes atributos acidentais não essenciais da classe é algo difícil de entender, mas que ocorre bastante no dia a dia, especialmente no Direito, com suas classificações, tipologias, regimes jurídicos etc.
Outro tipo interessante - e muito comum na vida forense - é o que tenta extrair a verdade a partir da referência ao autor: o "argumento de autoridade". Não é porque Fulano disse que a terra é quadrada que ela será quadrada, ainda que Fulano seja Doutor em Filosofia e autor de diversos livros sobre a impossibilidade geométrica de a Terra ser redonda. Infelizmente, porém, é comum o uso de citações de livros doutrinários, tanto no Direito quanto na Filosofia, para tentar corroborar um argumento, ainda que este seja falso.
Há um texto disponível na Internet que arrola 45 tipos de Falácias (clique aqui) e mostra como identificar cada um destes tipos de falácias e, mais importante, como contra-argumentar cada um deles.
Por exemplo tirado daquele texto: uma classe de falácias são as indutivas, isto é, as que partem de uma característica do raciocínio indutivo (passar das espécies para características gerais), usando-o de forma equivocada ao atribuir as propriedades de alguns elementos para todo o conjunto por conta de semelhanças entre apenas alguns deles (no fim deste Post há uma tabela que fiz com base no texto original).
É uma pena que no curso de Direito estas questões lógicas não sejam ensinadas e treinadas com mais tempo, pois a prática jurídica do dia a dia convive com a argumentação e esta, no mais das vezes, é usada estrategicamente pelas partes, sem compromisso com o rigor lógico, mas sim com a busca retórica da vitória.
Cabe ao juiz – no pouco tempo que tem para o crescente número de processos (vide o post sobre a comparação entre médicos e juízes, perguntando se somos Fábricas de decisões) - tentar identificar estas falácias e chegar a uma verdade (ainda que formal, e isto será tema de futuro Post, se o tempo deixar).
Tipo
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Característica
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Exemplo
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Contra-argumento
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- Generalização Precipitada
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- A amostra é limitada e, apesar disso, é usada para apoiar uma conclusão tendenciosa;
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- Fulano, paranaense, é bom de futebol; logo, os paranaenses são craques;
- Tenho seis amigos que concordam que a política econômica é recessiva; logo, ela é recessiva;
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- mostrar que as dimensões da amostra são diferentes da população total;
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- Amostra limitada
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- Há diferenças relevantes entre a amostra e a população como um todo;
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- as maçãs do topo da caixa estão boas; logo, as maçãs da caixa são boas;
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- mostrar que as dimensões da amostra são diferentes da população total e perguntar se caso a amostra fosse outra o resultado seria o mesmo;
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- Falsa analogia
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- Numa analogia mostra-se, primeiro, que dois objetos são semelhantes em algumas das suas propriedades, para concluir se o primeiro tem uma propriedade X então o segundo também tem. Porém, a analogia falha quando os dois objetos diferem de tal modo que isso possa afetar a possibilidade de terem a mesma propriedade.
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- “Governar um país é como gerir uma empresa. Assim, como a gestão de uma empresa responde pelo lucro dos seus acionistas, a governança também deve fazer o mesmo. O argumento é falho, pois os objetivos são muito diferentes e, por isso, têm de encontrar critérios diferentes.
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- Mostrar que há uma diferença relevante entre os objetos que tornam a analogia insuficiente;
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- Omissão de dados
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- Dados importantes, que arruinariam um argumento indutivo, são excluídos.
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- O Flamengo ganhará o próximo jogo, pois ganhou nove dos últimos dez jogos. (O argumento é falho quando omite que oito vitórias foram contra times de 2ª divisão e o próximo jogo será contra o atual campeão).
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- Mostrar a informação que falta e argumentar que ela é capaz de alterar o resultado final;
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