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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O (sempre) discutido conceito de Direito.

Ao ingressar no curso de Direito, logo nas primeiras aulas de Introdução, o aluno é perguntado sobre o “Conceito de Direito”. Em seguida, ele é apresentado aos conceitos de “Direito Objetivo”, “Direito Subjetivo”, “Direito Natural”, “Direito Positivo”, etc. Ao final, o professor aponta um conceito específico de Direito e o aluno, ainda iniciante, toma aquilo como verdade (ou pelo menos estuda para poder responder uma prova futura) e não pensará mais no tema.

Curiosamente, se esta mesma classe de alunos for perguntada ao final do seu curso qual é, em resumo, o conceito de Direito, haverá diversas respostas diferentes e alguns até nem saberão qual é a resposta correta. O mesmo acontecerá na Pós-Graduação (salvo se ela for extremamente dogmática e técnica).

Porém, se escolheram esta profissão, deveriam saber o básico sobre o que ela é.

Ou não ?

Dworkin, um dos principais filósofos/teóricos/pensadores contemporâneos do Direito, começa uma das suas principais obras dizendo justamente isso: muitas das discussões sobre o Direito são, na verdade, discussões sobre a concepção de Direito (este é o tal aguilhão semântico)

A verdade é que o conceito de Direito é uma questão (sempre) em disputa, pois nela está embutida uma pré-concepção ideológica sobre a postura do formulador do conceito.

Em outras palavras, a idéia de Direito é uma conseqüência dos valores possuídos por aquele que formula o conceito.

Historicamente, as duas primeiras (e antagônicas) respostas ao conceito de Direito eram, em breve resumo, a de que “O Direito é o que está na Lei”  (= Positivismo Jurídico) e a de que “O Direito é o justo, que pode, ou não, estar na Lei” (= Jusnaturalismo).

Posteriormente, uma terceira corrente passou a entender que “o Direito é o que o Judiciário diz que é” (Realismo Jurídico).

Todas estas correntes tem suas subdivisões, suas teorias, justificações e explicações mais ou menos detalhadas sobre o fenômeno jurídico. Para o Positivismo, por exemplo, afirma-se que o Direito decorre de decisão política fundamental que gera um ordenamento, prevendo, este mesmo conjunto de regras, uma regra para reconhecer o que é e o que não é Direito. O Jusnaturalismo, por outro lado, justifica as regras a partir de leis sobre o que é o Justo, para alguns, era o Divino, para outros, o decorrente da Razão.

Foram criticadas, também. Correntes teóricas apontaram, por exemplo, que o “Direito é o conjunto de regras definido arbitrariamente para exercer a função de cumprir fins políticos e econômicos do liberalismo” (= “Critical Legal Studies”).
           
Porém, se analisarmos com atenção a ação estratégica das partes num processo judicial concreto, podemos perceber que a concepção de direito será, em alguns casos, utilizado conforme o interesse da parte.

Ou seja, se as regras legais lhes forem favoráveis, a parte centrará sua argumentação nelas, assumindo, explícita ou implicitamente, o modelo positivista; caso contrário, se elas lhe são desfavoráveis, poderá fundar seu pedido em algum modelo de Justiça (incluindo Princípios abstratos) e, se este tiver alguma previsão constitucional, arguirá a inconstitucionalidade daquela norma.

Por isso, outro modelo mais recente pode ser visto como mais adequado a descrever a dinâmica dos processo judiciais: o “direito como argumentação”. A grande leitura para este modelo, embora ainda insuficiente, é a obra de Manuel Atienza, “El derecho como argumentación”, publicado pela editora Ariel, em Barcelona, 2006.

Com alguns acréscimos, escrevi sobre o tema, com mais profundidade no trabalho “Desatando os nós do neoconstitucionalismo brasileiro”, capítulo de livro HIROSE, Tadaaqui; GEBRAN NETO, João Pedro.. (Org.). Curso Modular de Direito Constitucional. São Paulo: Conceito Editorial, 2010, p. 111-162.

Pretendo abordar o tema nos próximos “posts”, se Deus quiser e o tempo permitir (risos).

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De fato, posteriormente, escrevi outros posts. Abordei, por exemplo, a relação entre o Direito (visto do ponto de vista positivista) com a Moral e a Política à luz do modelo construído por Comte-Sponville (confira clicando aqui) e apresentei de forma mais profunda o modelo de Atienza do Direito como Argumentação ao discutir um artigo sobre a "Katchanga" (clique aqui para conferir o debate). E, ainda, apresentei uma fundamentação para a necessidade de legitimar o Direito, afastando a hipótese cínica (clique aqui para conferir), bem como a legitimação do direito (ou melhor: dever) do Estado de punir, para evitar a "desonestidade racional" (clique aqui para conferir), justificando a Sanção (característica do Direito) como instrumento de proteção aos honestos.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O STF em questão...

E quem controla os controladores?

A pergunta não é original, mas reflete uma preocupação para a sobrevivência da democracia, especialmente com a crescente participação do Supremo Tribunal Federal na vida dos cidadãos e sua a exposição diária na mídia.

Alguém terá que dar a última palavra nas discussões constitucionais; porém, este direito e dever implica que ele não seja cumulado com outros poderes e que haja uma postura discreta e reservada.

Algumas características do sistema brasileiro geram deturpações, que, se não são problemáticas agora, podem representar um perigo no futuro. A primeira é o excesso de atribuições ao STF, que, além de Corte Constitucional, também é instância para processar e julgar autoridades com foro privilegiado. Além do excesso de ações no STF, isso cria um poder adicional que é o de controlar os agentes dos demais poderes que deveriam fiscalizar aquele tribunal. A segunda é o caráter analítico da Constituição, que regula praticamente todos os aspectos da vida social e, por isso, permite que todo tipo de demanda vire questão constitucional, por mais insignificante que seja. A terceira é que se dá pouca deferência às questões decididas pelo Legislativo.

Evitar que o STF se transforme em um órgão centralizador dos três poderes implica modificar suas competências não-constitucionais, acabando com privilégio de foro para altas autoridades. Também é necessário alterar a sua composição e o seu procedimento de nomeação de ministros, prevendo que os cargos sejam destinados a membros oriundos das carreiras jurídicas (juízes, promotores e advogados) mediante listas formadas pelo Congresso Nacional, mediante prévia e exaustiva sabatina.

(Artigo publicado originalmente no Diário Catarinense, p. 16 - 16, 26 abr. 2009).

È interessante como o Constitucionalismo brasileiro não se atenta mais profundamente para as questões políticas "lato sensu", isto é, ao contrário do Direito Norte-Americano, em que é normal a discussão sobre a sua corte constitucional a partir do viés político, como agente, suas vicissitudes, tendências etc.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

As prisões nas operações policiais.

A distância entre o "juridiquês" e a língua do dia-a-dia gera questões e incompreensões por parte da população sobre as diversas prisões ocorridas nas operações policiais federais divulgadas na mídia. Fala-se "a polícia prende e a justiça solta", mas a verdade é que, diante da Constituição, a polícia só pode prender e soltar alguém se tiver ordem judicial, a não ser se flagrar um crime, senão comete abuso de autoridade. Se exceder à ordem, também. Todas as prisões são em cumprimento de ordens judiciais; logo, o correto é dizer que a "a justiça prende e a justiça solta".

Daí a segunda pergunta: por que todos os que foram presos estão soltos ? Na grande maioria das operações, as prisões noticiadas são as temporárias. Portanto, a resposta também é simples: como o nome já diz, a prisão temporária é temporária; logo, uma vez cumprida a sua finalidade (auxiliar nas investigações policiais ou no desbaratamento da quadrilha), o preso tem que ser solto, pois a regra constitucional, de acordo com STF, é que ninguém será considerado culpado até a sentença final, devendo responder em liberdade ao processo salvo se houver perigo real de fuga ou de ameaça às testemunhas, por exemplo.

Uma terceira questão é: por que aparentemente os ricos são soltos mais rapidamente? A resposta, neste caso, é mais complexa, mas um dos aspectos importantes é que falta uma efetiva implantação de defensorias públicas que possam dar às camadas mais pobres o atendimento jurídico de qualidade. Além disso, o combate aos "crimes de colarinho branco" exige aperfeiçoamento da legislação e das instituições de fiscalização como o Banco Central, agências reguladoras, CVM, tribunais de Contas e outros. A questão, então, é da alçada dos governos federal e estaduais, que têm a atribuição de implantar estes serviços, nos exatos termos da Constituição.
(Artigo publicado originalmente "As prisões e a PF" no Diário Catarinense, 23 jul. 2008, p. 14.)

Curioso como se passaram três anos desta publicação e o texto parece atual.
Infelizmente.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Dia do Medo.


Conta-se que, em 1745, mesmo ameaçado pelo imperador alemão, que queria desmanchar um moinho que atrapalhava a paisagem do seu palácio, o velho moleiro recusou-se a entregar as suas terras, dizendo: “ainda há juízes em Berlim”.
No dia em que o juiz tiver medo de julgar conforme a sua consciência, não haverá quem viva tranquilo.

Se o juiz tiver medo de julgar por represália do Executivo ou do Legislativo, não haverá quem reconheça a responsabilidade do Estado por violar o direito alheio. Foi um juiz federal que, em 1978, durante a ditadura militar, condenou a União pela morte do jornalista Vladimir Herzog. Diariamente, centenas de segurados que tiveram seu direito violado pelo INSS são atendidos pelo Judiciário, que atua de forma imparcial para avaliar o direito a uma aposentadoria ou à sua revisão.

Se o juiz tiver medo de julgar por ser punido ou mesmo corrigido pelas instâncias superiores, não haverá quem reconheça novos direitos, como foram reconhecidos, de forma inédita, pelos juízes de primeiro instância, a indenização por dano moral, os direitos das companheiras antes da lei da união estável, o direito a medicamentos, inclusive para o tratamento de doenças como AIDS, os direitos dos casais homossexuais à pensão por morte, o assédio moral, dentre outros.

Se o juiz tiver medo de julgar por conta da repercussão na mídia, os inocentes proprietários do famoso caso “Escola Base”, injustamente acusados de abuso sexual de menores, teriam sido condenados. Aliás, o maior erro judiciário da história da humanidade foi produzido por um juiz que, diante do “clamor social”, lavou as mãos, condenou Jesus e soltou Barrabás.

Se o juiz tiver medo de julgar por ameaças de criminosos e por não haver proteção à sua integridade, então o crime terá vencido o Estado e o cidadão.

A liberdade de consciência do juiz não é para ele. É para a população. Sem ela, não há imparcialidade e nem direito que seja garantido ou há justiça que possa ser feita. Quando julga, o juiz não atende ao seu interesse. Ele atende a uma das partes que precisa daquela ordem para garantir o seu direito.

As recentes manifestações dos juízes federais, que culminaram com um dia de paralisação no dia 27 de abril, são reações às tentativas de intimidação, que não são contra eles, mas sim contra aqueles a quem atendem.

Ao contrário dos outros poderes, os juízes não têm armas. Não têm o poder econômico e não têm o costume de ir à mídia. O Judiciário é o mais fraco dos poderes e por isso é necessário resguardá-lo.

O Judiciário só tem a sua legitimidade constitucional e ela só pode ser alcançada se houver independência que assegure a imparcialidade. As ofensas a esta imparcialidade são ofensas aos cidadãos. Se estes não puderem recorrer a um juiz, não terão mais quem lhes atenda e, aí sim, será o dia do medo para todos.

(Artigo publicado originalmente no Jornal "Notícias do Dia", em 11/5/2011).
Alguns dias depois ele foi publicado no blog do Frederico Vasconcelos, o que gerou vários comentários - contra e a favor.

Tentei respondê-los da seguinte forma:

Originalmente ele foi escrito para ocupar reduzido espaço de um jornal impresso, daí a impossibilidade de abordar outros temas.

Por isso, também, a inviabilidade de citar os diversos casos de direitos reconhecidos pelo Judiciário e de arrolar os infelizes equívocos decorrentes do chamado clamor social.

Quanto à sensação de impunidade, talvez o Judiciário ainda não consiga expressar para a Sociedade o imenso volume de trabalho realizado diariamente. Pontuo, por exemplo, o número expressivo de condenações, inclusive por crimes tributários e de colarinho branco, que os Tribunais Federais julgam semanalmente em suas câmaras criminais, mas que não chegam ao conhecimento do grande público. O mesmo se dá em relação aos milhares de benefícios previdenciários e assistenciais, ações de concessão de medicamentos, indenizações por dano moral, ações de improbidade etc. que são julgados. Talvez a discrição exigida dos magistrados e a linguagem técnica dos julgados sejam explicações para a dificuldade que temos de levar ao público as nossas dificuldades.

No mais, é impossível ao Judiciário agradar a todos, seja porque ninguém até hoje conseguiu isso, seja porque, num processo, uma das partes irá sair descontente (quando não são ambas, quando ocorre o julgamento parcialmente improcedente). Além disso, o Juiz não pode correr atrás das provas e/ou dos fatos, e, muitas vezes, injustamente, responde pela culpa de serviço mal realizado que não é o seu.

Reconheço que erros são cometidos. Isso é próprio da natureza humana, que é suscetível a falhas.

Quando ocorrem, não são por vontade e existem remédios processuais para consertá-los (recursos). Os casos de má-fé são raros - e acontecem em qualquer profissão (ex. vi padres pedófilos, jornalista homicida, médico estuprador etc.) - e, quando ocorrem, são a exceção da exceção que, infelizmente, ganham mais notoriedade do que a imensa maioria de casos de juízes que trabalham para tentar fazer o melhor possível diante do volume de processos e do tamanho das expectativas que são levadas pelos cidadãos.