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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A Teoria da Justiça de John Rawls: um breve resumo crítico.


Voltando ao tema das Teorias da Justiça [para uma introdução, vide um dos primeiros posts meus clicando aqui. Aliás, sobre o interesse no estudo da “Justiça”, vide este outro post], vale a pena falar um pouco sobre o pensamento de John Rawls. [Para uma abordagem mais aprofundada, com as devidas citações, indico o meu livro BOLLMANN, Vilian. revidência e Justiça: o Direito Previdenciário no Brasil sob o enfoque da Teoria da Justiça de Aristóteles. Curitiba: Juruá, 2009; ou então o original RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. 2ª ed. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002 ou o livro sobre o referido pensador OLIVEIRA, Nythamar de. Rawls. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. 74 p.]

A “Justiça como Eqüidade” é a Teoria da Justiça de John Rawls sobre a qual gira boa parte das discussões da filosofia política contemporânea, especialmente quanto ao tema da desigualdade ou distribuição de renda.

Para abordar este tema, vou tentar responder rapidamente a três questões. O que legitimaria ou fundamentaria os princípios de justiça que ele apontou ? Qual o pensamento de Rawls ? Quais as principais críticas que se pode fazer ao pensamento de Rawls ?

Comecemos pela origem ou tentativa de explicação de onde surgiriam os princípios de ação que dão os contornos à idéia de Justiça de Rawls.

Rawls constrói os princípios de Justiça a partir de uma situação imaginária chamada de “Posição Original”. Ela é um exercício criativo no qual Rawls imagina como as pessoas escolheriam as regras sobre a Sociedade se estas mesmas pessoas fossem almas desencarnadas, racionais, mas fora de qualquer corpo físico e não soubessem quais são as suas habilidades e capacidades e nem quais habilidades são desejáveis no mundo. Esta situação hipotética seria mais ou menos como se as almas dos futuros recém-nascidos estivessem numa sala de espera e discutissem entre si quais seriam as regras aceitáveis para o mundo para o qual irão. Em outras palavras, as pessoas estariam sob um véu de ignorância e não saberiam quais são as suas predisposições naturais e morais. Ou seja: formariam um consenso e escolheriam princípios de justiça abstraindo dos recursos, vantagens e desvantagens concretas

Para Rawls, eles chegariam a acordo sobre como fazer uma estrutura básica da Sociedade. Mesmo que cada um estivesse interessado em promover os seus próprios interesses, todos eles aceitariam a igualdade como norma para definir a sua associação.

Portanto, respondendo à primeira pergunta, Rawls legitima e fundamenta os princípios que exporá em sua obra sob duas premissas fundamentais: a primeira, explícita, a de que o seres são racionais e motivados por seus próprios interesses (independente de quais sejam e de se eles realmente sabem quais são ou serão estes interesses), a segunda, não tão explícita, a de que todos aceitam o postulado da igualdade, ainda que para não serem prejudicados.

Logo, o importante não discutir se esta situação imaginária da  “posição original” é ou não possível, mas sim discutir se o mundo real pode construir princípios fundados na igualdade e no interesse próprio de cada um (que é o de ter mais bens sociais dos que os outros). E mais: saber se, aceitas estas premissas, estes postulados levariam, ou não, aos princípios de Rawls.

Passemos então à segunda pergunta: quais os princípios de Justiça sugeridos por Rawls ?

Para Rawls, os princípios decorrem de uma visão mais geral na qual os valores sociais da liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e auto-estima devem ser distribuídos igualmente, salvo se alguma desigualdade for benéfica para todos. Ou seja, a injustiça seria uma desigualdade que não beneficia a todos .

A partir daí, Rawls formula a versão inicial de seus princípios de justiça:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) ordenadas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos .

O primeiro princípio leva a uma igualdade de liberdades – que, como vimos, é um pressuposto teórico de Rawls.

O segundo princípio é o chamado Princípio da Diferença. Ele é o segundo em ordem a ser atendido. Na sua versão inicial ele tem a seguinte expressão: “as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) ordenadas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos”. Rawls aponta que pelo menos duas expressões utilizadas (“vantajosas para todos” e “igualmente abertas”) são ambíguas, cada uma gerando duas interpretações – e isto consumiria várias páginas aqui do Post (remeto os interessados às obras acima citadas para maiores detalhes).

O importante e crucial é que Rawls apresenta quatro possibilidades de se entender o Princípio da Diferença e, após discorrer sobre as diferenças entre a “eficiência” e a “equidade”, ele argumenta que cada indivíduo, preferindo ter mais bens do que menos, acharia sensato iniciar a distribuição dos bens de forma igual para todos, evitando, assim, ficar com menos; mas, em seguida, como as desigualdades são inerentes às comunidades (seja em função das diferenças de capacidades, seja diante da necessidade de maximizar a eficiência das estruturas econômicas e sociais), prevendo que elas ocorrerão, as pessoas exerceriam uma espécie de antecipação do direito de veto às situações que implicariam seus prejuízos e incluem o segundo princípio, com a seguinte redação:
“Segundo Princípio
As desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de tal modo que, ao mesmo tempo:
(a) tragam maior benefício possível para os menos favorecidos, obedecendo as restrições do princípio da poupança justa, e
(b) sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades.
Primeira Regra de Prioridade (A Prioridade da Liberdade)
Os princípios de justiça devem ser classificados em ordem lexical e, portanto, as liberdades básicas só podem ser restringidas em nome da liberdade. Existem dois casos: (a) uma redução da liberdade deve fortalecer o sistema total das liberdades partilhadas por todos; (b) uma liberdade desigual deve ser aceitável para aqueles que têm liberdade menor.
Segunda Regra de Prioridade (A Prioridade da Justiça sobre a Eficiência e sobre o Bem-Estar)
O segundo princípio de justiça é lexicamente anterior ao princípio da eficiência e ao princípio da maximização da soma de vantagens; e a igualdade eqüitativa de oportunidades é anterior ao princípio da diferença. Existem dois casos: (a) uma desigualdade de oportunidades deve aumentar as oportunidades daqueles que têm uma oportunidade menor; (b) uma taxa excessiva de poupança deve, avaliados todos os fatores, tudo é somado, mitigar as dificuldades dos que carregam esse fardo”.

Quais seriam as críticas possíveis para estes princípios ?

A primeira é que eles partem de pressupostos que não necessariamente são universais (igualdade e liberdade), pois há sociedades contemporâneas que talvez privilegiem outros valores sobre estes (o coletivo ? a religião ?).

Vencida esta crítica, a segunda é que a sua teoria não é para ação das pessoas no seu dia a dia, mas sim para que sejam criadas e avaliadas as instituições políticas e sociais.

Há um terceiro tipo de crítica que o próprio Rawls responde: são aqueles que opõem valores éticos mínimos como a dignidade da pessoa humana, que, segundo os críticos, deveriam ser observados. Porém, Rawls sustenta que, na posição original, as pessoas não teriam ainda senso moral quanto a qual seriam os seus objetivos. Além disso, ele evitou utilizar princípios que poderiam ser contestados, recusando outros valores. Porém, ele aponta que, embora os princípios de justiça não sejam fundamentados na dignidade da pessoa, eles servem para interpretá-la, já que estaria implícita na ordenação lexical daqueles.

Um quarto tipo de crítica tem como objeto a situação da posição original, seja porque é uma uma situação puramente hipotética utilizada por Rawls como equivalente ao Estado de Natureza, seja porque ela parte de alguns pressupostos de igualdade entre as pessoas e de um processo de escolha democrático e com chances iguais para todos. Esta crítica é parcial, pois a posição original é um argumento instrumental desnecessário, já que a estrutura dos princípios de justiça elaborados por Rawls seriam uma decorrência necessária da racionalidade. Apesar disso, outras circunstâncias, situações e problemas específicos podem levar a outras teorias da justiça decorrentes da racionalidade; ou seja, não é evidente que dessa posição original de Rawls surgiriam os princípios por ele deduzidos. A escolha dos princípios decorrentes da Posição original dependem de fatores políticos (como a sociedade funcionaria) e da ideologia do teórico (especialmente sobre a sua concepção acerca da psicologia humana). Assim, conforme os valores do autor, a posição original poderia gerar resultados diferentes, surgindo, por exemplo, o Estado Mínimo (Nozick), o Utilitarismo, o Seguro de saúde e social (Dworkin) ou a anarquia (Robert Paul Wolff).

Um quinto tipo de crítica é o fato de que uma teoria “ex ante” aplicável a sujeitos abstratos não representa uma teoria da justiça “ex post” que seria tomada por sujeitos concretos e reais, até porque as escolhas e julgamentos racionais não podem ser feitos por quem ignora a existência dos demais, como se fossem “zumbis egoístas”.

De qualquer sorte, historicamente falando, a obra de Rawls fez renascer o interesse da Filosofia Política sobre a questão da Justiça e suscitou diversos debates, tornando mais claros os argumentos em prol ou contra certas visões de sociedade.

3 comentários:

  1. 3.2.Os dois princípios da justiça como equidade.

    Os princípios da justiça em Rawls cumprem, primeiramente, a função de conjugar a liberdade e a igualdade de um modo coerente e ao mesmo tempo eficaz.

    Assim, os dois princípios – escolhidos na posição original – devem efetivar a distribuição eqüitativa de bens primários – bens básicos para todas as pessoas independentemente de seus projetos pessoais de vida ou de suas concepções de bem. Os bens primários comportam, ainda segundo Rawls, o auto-respeito e a auto-estima, acompanhados das liberdades básicas (expressão e religião), rendas e direitos a recursos sociais (educação e saúde, por exemplo). Podem ser assim enunciados:

    * Primeiro: Todas as pessoas têm direito a um projeto inteiramente satisfatório de direitos e liberdades básicas iguais para todos, projeto este compatível com o dos demais; e, nesse projeto, as liberdades políticas, e somente estas, deverão ter seu valor eqüitativo garantido.

    * Segundo: As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer dois requisitos: a) devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; b) devem representar o maior benefício possível aos membros menos privilegiados da sociedade.

    Os princípios são organizados em ordem lexográfica, ou seja, o primeiro, da "igual liberdade", tem primazia sobre o segundo que se divide em dois: o "princípio da igualdade eqüitativa de oportunidades" e o "princípio da diferença". A ordem lexográfica implica na prioridade da justiça sobre o bem e, portanto, enquadra-se no modelo deontológico endossado pelo autor.

    A ordem lexográfica garante que o primeiro princípio seja completamente satisfeito antes de se passar à aplicação do segundo, o que significa, em síntese, assegurar a inviolabilidade das liberdades individuais as quais estão acima de todos os ajustes sociais que visem a equidade.

    Uma vez que os princípios aplicam-se à estrutura básica da sociedade, ou seja, distribuem direitos e obrigações, o primeiro princípio deve ser observado irrestritamente para que seja viável a garantia das liberdades fundamentais de modo universal e imparcial. As liberdades básicas mais importantes são: a liberdade política (votar e ocupar cargos públicos), a liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, as liberdades da pessoa (integridade pessoal, i.é, proteção contra a agressão física e psicológica), o direito à propriedade privada e a proteção contra a prisão e a retenção arbitrárias, em síntese, os direitos humanos e as liberdades civis.

    O segundo princípio, condicionado à observância irrestrita do primeiro, objetiva efetivar uma justiça distributiva, onde cumpre um papel de destaque o princípio da diferença: os que estão em posição melhor somente podem aumentar seus ganhos se isso implicar em vantagem para os menos favorecidos. As desigualdades são justificadas por uma igualdade local (todos têm direito ao acesso às riquezas) ao mesmo tempo em que são mitigadas pelo princípio da diferença.

    Com esses dois princípios Rawls procura oferecer uma teoria capaz de fazer frente ao utilitarismo, assumindo, de certa forma, alguns postulados dessa corrente: aqueles que levam ao igualitarismo. Sem abrir mão do postulado essencial das liberdades fundamentais. Como fazer isso mantendo a coerência? Através do procedimentalismo, assumindo a utilidade da igual oportunidade, mas sem endossar uma "doutrina do bem" uma doutrina abrangente, na linguagem rawlsiana.

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  2. Justiça como um instrumento para a paz

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