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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quanto custa um olho ?


Um colega me fez esta pergunta: quanto custa um olho ? Ele estava com um processo no qual precisava decidir acerca do valor da indenização pela perda da visão de um dos olhos.

Esta questão é bastante complexa e situações semelhantes são enfrentadas diariamente pelos juízes no Brasil afora. Ela envolve várias outras questões que precisam ser respondidas.

Por exemplo: o custo do olho é maior ou menor conforme a pessoa use ele para trabalhar ?

Aqui vale uma distinção interessante entre os [1] danos materiais (ou patrimoniais) e os [2] danos morais, que, às vezes, os leigos (e a imprensa) não percebem, ou não conhecem.

[1] Os danos materiais são aqueles que envolvem o que a pessoa perdeu em razão do acidente (por exemplo: o valor do carro num acidente automobilístico) – chamados de [1.1] danos emergentes - ou que deixou razoavelmente de receber (por exemplo: os dias de trabalho parados em razão da hospitalização da vítima) – chamados de [1.2] lucros cessantes.

Os [2] danos morais são as ofensas aos direitos de personalidade, que, por sua vez, são aqueles ligados à própria pessoa e suas qualidades físicas, morais ou intelectuais (como honra, liberdade, etc)  vistos como objeto de proteção do Direito. Os danos morais são a chamada “dor na alma” que não se confunde com o patrimônio em si.

Em resumo, a distinção entre o dano patrimonial e o dano moral é a natureza do objeto que foi atingido: um bem qualquer externo à pessoa ou a própria pessoa incluindo suas qualidades.

O problema é que esta teoria pode gerar situações nebulosas quando posta em prática.

Por exemplo: uma “top model” ou um relojoeiro que perde a visão e o olho têm mais ou menos direito à indenização por dano moral do que uma pessoa que não terá seu trabalho afetado ?

Se levada ao pé da letra a distinção, a resposta seria negativa, pois o “custo” do prejuízo financeiro estaria ligada ao dano patrimonial, cabendo ao profissional que perdeu a visão provar as despesas que teve e aquilo que deixou de receber em razão do acidente.

O problema, porém, é que toda questão fácil é, na verdade, uma questão difícil sobre a qual ainda não foram feitas as perguntas certas....

No caso, não seria razoável argumentar que uma “top model”, um atleta profissional ou um relojoeiro, que usam a visão como instrumento de trabalho, teriam um nível de aborrecimento maior do que um trabalhador para quem a visão monocular seria, digamos, indiferente ? A preocupação maior com o futuro não seria um parâmetro para ampliar o valor da indenização ?

Para tornar ainda mais complexa a questão, existem outras perguntas que podem aumentar ou reduzir o valor da indenização.

Por exemplo: o dano moral deve servir de lição para que o agressor não repita sua conduta ? Isto é: ele deve ter o caráter de “punitive damages” ou não ? Para responder isso teríamos que responder outra coisa antes: a indenização foca a lesão (e a restituição do que foi perdido) ou também deve focar o agressor ? Um bilionário, como Eike Batista, deve pagar a mesma coisa que um mendigo por um acidente de carro ?

Além disso, se a função da indenização for apenas restituir a perda da pessoa – patrimonial ou moral – o valor não deveria ser o mesmo no caso de o agressor ter agido com intenção (dolo) do que se ele tivesse apenas se descuidado ou mesmo tentado evitar o acidente ?

Indo mais além: o dano estético também é indenizável ou está abrangido pelo dano moral ? Se além da perda da visão houver a troca do olho normal por um de vidro ou a permanência de uma cicatriz incurável, o dano moral em si é maior, menor ou igual ? Seria o caso de um dano estético adicional ?

Enfim, estas perguntas – algumas respondidas pela doutrina e pelos tribunais – são exemplo da árdua tarefa que os juízes têm no dia a dia forense. Eu, por exemplo, quando tive que decidir a primeira ação de dano moral, ao tentar arbitrar o valor da multa, depois de muito pensar, resolvi marcar uma audiência para “sentir” o processo, ouvindo as partes e, quem sabe, tentar a conciliação. O acordo não veio, mas a experiência de ouvir as partes – e não apenas o papel dos autos – foi tão proveitosa que este virou um procedimento padrão para mim: designar audiência de conciliação e instrução para ouvir as partes, mesmo que elas não tivessem pedido a prova e nem arrolado testemunhas. Um caso que parece simples muitas vezes é complexo e um caso que parece complexo às vezes tem um ponto fundamental que, no fundo, é simples.

Por isso, parece-me, cada vez mais, que não ser correta a aparente eleição da “celeridade” com prazos rápidos como valor absoluto para o Judiciário. A Justiça, na maior parte das vezes, depende de muita reflexão e ponderação [para o tema, escrevi há alguns anos um artigo de jornal que já botei no blog, clique para ler sobre a "fábrica de decisões"]. 

2 comentários:

  1. Resumindo uma pessoa que trabalha a anos supor 29 anos perde uma vista o INSS deveria pagar 50% do que ganhava até dar o tempo de se aposentar

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