O artigo abaixo copiado foi uma apreciação crítica que elaborei como trabalho de conclusão do curso de Direito Penal e Processual Penal oferecido pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da Quarta Região.
Em outras palavras, é um resumo de uma das aulas (cujo tema considero interessante) acrescido de considerações sobre o teor da palestra.
Como estou sem tempo de adaptá-lo para transformá-lo em um artigo formal a ser publicado, disponibilizo aqui aos leitores do blog que tiverem interesse.
Para quem quiser ver algumas sugestões minhas para a melhoria do sistema processual, indico este texto sobre como
torná-lo mais eficaz (clicando aqui) e esta sugestão de dez medidas para
melhorar o sistema de justiça criminal (clique aqui) ou este experimento filosófico de como seria um
"mínimo essencial do processo" (clique aqui).
Para os que quiserem outros temas, há excelentes artigos no site da Escola do Tribunal, basta
clicar aqui.
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PARA QUEM GOSTA DE IR RÁPIDO À CONCLUSÃO, eis o resumo das considerações finais:
A evolução histórica de uma Sociedade produz as instituições que nela existem atualmente e este processo não é estanque, mas sim dinâmico, alterando conforme são percebidos os erros ou acertos das experiências realizadas.
No processo penal, há fundamental importância para a visão que a Sociedade tem do papel do juiz, seus poderes, seleção e atuação inquisitiva ou acusatória, pois é partir desta conformação político-social que serão parametrizados aqueles critérios.
O Juiz Norte-Americano é fruto de uma visão de Administração da Justiça diferente da brasileira, e lá, como cá, critica-se o papel acusatório do Juiz (gerando uma inércia na ação e falta de controle sobre outros órgãos, como no “plea bargain”) e da sua seleção. Hoje, defende-se nos EUA a necessidade de critérios meritocráticos para seleção dos juízes, pois eleições implicam dois problemas sérios como o [a] financiamento de campanha e [b] fragilidade na liberdade de focar na lei e não na popularidade da decisão.
O Brasil, com história diferente baseada na centralização do poder político, ainda carrega outras diferenças como o pluralismo de regimes jurídicos (privilégio a determinadas classes) e diferença entre o direito escrito e o de fato praticado. Diversas reformas penais e processuais foram propostas e hoje tramitam no Legislativo, mas não se pode deixar registrar a ressalva de que, embora as comparações entre os sistemas possam trazer aprimoramentos para cada um deles, não é correta a migração pura e simples de institutos ou normas estrangeiras – tais como o “plea bargain” e o sistema puramente acusatório - sem a devida adaptação à realidade e à Constituição brasileira, sob o risco de invalidade jurídica e ineficácia pela ausência da base social que poderia ampará-la.
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Resumo
O estudo realiza uma apreciação crítica sobre o tema “Processo
Penal Norte-Americano”. A partir de uma síntese da palestra oferecida e da
percepção histórica de Alexis de Tocqueville, são apresentadas algumas das
contribuições que, comparando com o Brasil, pode fornecer para apresentar um
aperfeiçoamento do modelo atual de compreensão e aplicação do Direit Penal
Brasileiro.
Palavras-chave
DIREITO COMPARADO – PROCESSO
PENAL – DIREITO NORTE-AMERICANO.
1 Nota introdutória.
O presente trabalho trata-se de uma apreciação crítica sobre
o tema “Processo Penal Norte-Americano”, realizado como requisito de conclusão
final do Curso de Currículo Permanente, Módulo IV, Direito Penal e Processual
Penal 2011 (Edição Presencial), da Escola de Magistratura da Quarta Região
Federal. Busca-se, com o texto, [1] apresentar uma síntese do conteúdo
ministrado durante referida palestra e [2] da obra “Democracia na América”, de
Alexis de Tocqueville, resumindo suas principais idéias relativas às noções de
Estado, Governo, Sociedade, Direito e Democracia para articular estes
conhecimentos em [3] uma visão crítica do estágio atual do processo penal brasileiro.
2 Desenvolvimento
2.1 Síntese do
conteúdo ministrado.
Para o palestrante, apesar de a independência dos EUA ter
sido uma Revolução, ela não foi uma total ruptura, tanto que, até hoje, EUA e
Inglaterra são aliados comuns e há uma identidade cultural e artística muito
forte entre eles. Por isso, a compreensão do processo norte-americano depende
da compreensão do processo no Direito Inglês.
Assim, ele contextualiza o processo histórico de formação
do Processo Penal Norte-americano a partir das suas raízes inglesas.
No ano de 1066, o rei Normando William (Guilherme o
Conquistador) venceu a batalha de Hastings contra o último rei saxão, tomando
totalmente a ilha da Inglaterra. A Normandia, região ao norte da França, era
uma organização política mais organizada e sofisticada do que as tribos saxãs,
que foi levada para a Inglaterra.
Apesar de ser duro e sanguinário, William, logo que tomou o
poder na Inglaterra, percebeu que a ocupação militar é apenas a primeira etapa
e que a conquista só se faz no plano político. Ele percebeu que a consciência e
coração do povo inglês estavam com o penúltimo rei saxão, o rei Eduardo o
Confessor, que era profundamente religioso (foi o construtor da Abadia de
Westminster) e caridoso, com uma relação muito íntima com o povo. Na sua coroação,
William, intuitivamente, disse ao povo algo que virou tradição para todos os
reis futuros: “juro cumprir as leis de
Eduardo Confessor”. Assim, elas não eram mais as leis do Rei, mas eram as
leis da terra. Criou-se a tradição da incorporação da lei do rei à lei da
terra, gerando a expectativa de que os novos reis iriam respeitar as leis já
tradicionais.
Henrique I, tataraneto de Guilherme (William), criou um
sistema judicial na Inglaterra sob dois pilares:
[1] tribunais centrais em Londres, formados por juristas
letrados;
[2] juízes itinerantes (os “sheriffs” ou “justicers”), que
tinha não só a função jurisdicional, mas também outras funções administrativas,
como a de coletor de impostos.
Estes juízes itinerantes, que levavam a justiça às
comunidades, tiveram uma visão de administrador da justiça para prestigiar as
cidades locais, até para fortalecer as pequenas cidades em detrimento aos
nobres que tinham exércitos. O seu papel não era ser o produtor do Direito, mas
sim o de propiciar ao povo a capacidade de ele mesmo produzir a Justiça. Quem
produz o Direito é a consciência do povo, pois ele conhece a lei, que não é a
lei do rei, mas a lei da terra, é o direito comum, o “Commom Law”. O papel do
Juiz é, então, o de fazer com que o julgamento seja organizado de forma justa,
de uma igualdade no processo. Se vai organizar um duelo, o juiz tem que
garantir que tenham armas iguais, armaduras iguais e assim por diante. Por isso
que os cavaleiros eram contratados por mulheres para lutarem por ela num duelo.
O processo acusatório inglês nasce neste contexto. A ação
cabe à vítima que vai ao Juiz apresentar as suas causas contra os réus, sem
promotor público. O júri não é feito de juízes, mas sim de testemunhas, que
conhecem os fatos. São comunidades pequenas. Estes jurados são co-juradores,
isto é, juram ou com o réu ou com a vítima.
O modelo nasce desta forma, mas vai se aperfeiçoando. Por
exemplo, nos crimes contra a coroa, o rei não abre mão de ser representado por
alguém: o procurador da Coroa. A vítima muitas vezes não tinha interesse e os
casos eram graves e lentamente isso ia passando para a polícia. No século XVII,
por exemplo, a polícia colhia as provas e ia ao mercado procurar um advogado
para contratá-lo para ajuizar a ação contra o réu.
Em algum momento, um determinado policial que por acaso
tinha formação jurídica deve ter decidido ele mesmo ajuizar uma ação criminal e
acabou-se formando um corpo de acusadores dentro da pró´pria polícia. Só em
2001 este corpo de acusadores se destacou da Polícia e formou o CPS (“Crown
Prosecutor Service”), uma espécie de Ministério Público, um órgão separado da
Polícia.
Esta história do Direito Inglês é a história da
experiência, de algo que nasce de uma forma e com o tempo vai corrigindo seus
defeitos.
Nos Estados Unidos da América, com a vinda dos que queriam
mais simplicidade nos ritos religiosos e mais simples, vieram no Mayflower, e,
logo que chegaram, assinaram um pacto de respeitar as regras de convivência, a
respeitar a propriedade, a ter tolerância religiosa, só decidir as questões por
maioria e a eleger seus representantes.
As 13 colônias norte-americanas reproduziram um pouco o
modelo do juiz britânico de que apenas propicia as formas para que o povo faça
a Justiça.
No começo da evolução dos Estados Unidos foi iniciada a
criação das Universidades e delas nasceu a intelectualidade, formada nos
estados unidos e pensando as questões americanas a partir da perspectiva
norte-americana, em vez de importarem o conhecimento britânico. Isso deu uma
consistência ao movimento de independência.
As garantias inglesas valiam para a Inglaterra e seu povo,
mas não para os norte-americandos; o rei era tolerante para com os seus, mas
tirânico com as colônias.
Declarada a independência, foi promulgada, depois, a
Constituição.
É a primeira experiência real de um Estado sustentado sobre
três poderes, pois nesta Constituição, com nove artigos, dedica-se o terceiro
artigo ao poder judiciário.
O perfil do judiciário nascido na Constituição
Norte-americana com uma Suprema Corte e tribunais abaixo dela, cuja criação é
de competência do Legislativo. Estabelece o princípio de que os juízes manterão
o seu cargo enquanto tiverem “bom comportamento” e que terão uma remuneração
fixa, paga em datas fixas, que não poderá ser diminuída. A Suprema Corte foi
criada como um tribunal recursal com uma pequena competência originária
envolvendo casos em que as partes são embaixadores, cônsules, ou os Estados. E
é justamente a questão da competência da Suprema Corte que irá definir o
primeiro grande caso do constitucionalismo, no caso Marbury vs. Madison, no
qual a Suprema Corte reafirmou seu papel recursal ao declarar inconstitucional
o dispositivo da lei judiciária que lhe dava competência originária contra ato
que recusava nomeação (no caso, de um “midnigth judge”, juiz nomeado para a Suprema
Corte nos últimos minutos do mandato do Presidente).
Além disso, a Constituição definiu que todos os julgamentos
criminais serão feitos por um júri. Durante alguns anos isso foi levado de
forma tranqüila, mas a posteriormente, isso se mostrou inviável para a
administração da justiça, e a Suprema Corte decidiu o “Caso Patton”, dizendo
que há dois tipos de normas constitucionais no processo penal; num tipo, a
norma cria um “standard” de justiça que o Processo Penal não pode prescindir
(julgamento imparcial, ampla defesa, etc); no outro tipo, as normas que dão
garantias ao réu (como o julgamento pelo júri), que podem ser objeto de
desistência deste, ou seja, ele pode abrir mão desta garantia. Com esta
distinção, a Suprema Corte salvou o sistema judiciário do colapso.
Alguns Estados americanos ainda mantêm o modelo do juiz e
do procurador eleitos; em alguns deles, a eleição é partidária, em outros, ela
é apartidária, e, em outros, o sistema é misto.
Os juízes federais são nomeados para a vida toda, enquanto
mantiverem o seu bom comportamento. Não existe, para eles, a aposentadoria
compulsória, só deixando o cargo quando entenderem que devem deixá-lo, mas eles
podem se aposentar voluntariamente, recebendo proventos integrais, após os 65
anos (variando conforme o tempo e atividade anterior). Poderá voltar a
trabalhar mesmo aposentado, mas de forma graciosa perante os Tribunais.
O juiz tem que manter conduta ilibada. É encorajado que o
juiz ministre aulas e dê palestras, mas a renda com estas não pode ultrapassar
quinze por cento dos seus rendimentos.
Os juízes federais norte-americanos são nomeados pelo
Presidente da República, mas são indicados pelo Senado, havendo uma “filtragem
política”.
O Judiciário norte-americano tem que ser compreendido
dentro do sistema de “freios e contrapesos”, o sistema de controle recíproco
entre os poderes, no qual cada um controla os demais e é controlado por estes.
Há vários instrumentos de controle, como:
[a] o Orçamento enviado pelo Executivo e aprovado pelo
Legislativo;
[b] a nomeação de todos os funcionários é feita pelo
Executivo;
[c] a aplicação da lei (“enforcement”) depende da atuação
do Executivo, pois a lei pode ser aprovada pelo Legislativo e o Executivo
entender que não é conveniente aplicá-lo naquele momento, deixando-a para uma
“reserva estratégica”;
[d] “impeachment”, que pode ser aplicado a todos os
servidores civis, inclusive os juízes, como controle do Legislativo;
[e] a aprovação pelo Legislativo na sabatina dos juízes
federais, com uma comissão permanente no Senado com responsabilidade de
aprovação ou rejeição dos juízes federais apontados; determinando, por exemplo,
a investigação pelo FBI de todos os indicados para cargos de juízes;
[f] controle do Executivo sobre a atividade Jurisdicional,
como o
[f.1] “Plea-bargaining”, 95 % dos casos são resolvidos por
acordo, mas o juiz não tem acesso ao que está por trás dos acordos (as partes
têm que revelar as provas que possuem às outras partes, mas não ao juiz),
cabendo-lhe apenas indagar ao réu sobre a voluntariedade do acordo e se ele
sabe as conseqüências da condenação; critica-se o sistema, porque há muitos
“blefes” ou “ameaças” por parte dos Promotores, com provas que, às vezes, não
tem, e, ainda, jogam com a opinião pública e com o desgaste de um processo criminal
no qual os custos e o tempo já são uma sanção, pois, ainda que absolvido, o réu
sairá moral e psiquicamente arrasado; isso ficou evidenciado pela descoberta de
vários casos de inocentes que foram condenados (alguns no corredor da morte)
cuja inocência só foi demonstrada com os avanços nos exames de DNA, posteriores
aos casos em que houve os acordos;
[f.2] “Sentencing Guidelines”, em 1973 foi publicado um
estudo, “Law without order”, feito por um juiz federal, mostrando a
discrepância entre as sentenças dadas pelos juízes, que para fatos criminosos
idênticos eram aplicadas penas muito diferentes, às vezes pelo mesmo juiz,
demonstrando uma falta de critério; foi criada, então, uma comissão, no
Executivo, formada por juristas, que elaboraram “guias de sentença” com um
gráfico no qual uma linha corresponde ao histórico do réu e no outra a
gravidade do fato sendo a pena definida pelo cruzamento destas linhas; a cada
ano esta Comissão lança novas “Sentencing Guidelines”, inclusive indicando as
Políticas Criminais, como o tipo de penas (prestação de serviços) e outros.
Os dois últimos fenômenos (“plea bargain” e “sentencing
guidelines”) produzem uma crítica com a sugestão e a tendência de um certo
retorno ao sistema inquisitivo, pois o sistema acusatório se mostra muito
dependente da habilidade dos advogados e da opinião pública, em detrimento da
verdade e da justiça.
Com relação às competências da Justiça Federal e Justiça
Estadual norte-americanas, o palestrante informa que mais de 90 % das causas
são da Justiça Estadual, mas está havendo um aumento nos casos federais,
especialmente por conta do narcotráfico. No caso “Rodney King”, houve uma
absolvição no júri estadual, ocorrendo uma comoção social e quebra-quebra nas
cidades; posteriormente, apesar da cláusula constitucional vedando o “Double Jeopardy”
(que pode ser comparada com a coisa julgada no criminal, isto é, a pessoa só
pode ser processada uma única vez pelo mesmo fato), foi resgatada a “tese da
dupla soberania”, na qual, como os Estados fizeram a Constituição e cederam
parte de sua soberania, havia, ainda, a possibilidade de ação federal, pois a
“dupla condenação” só vale na jurisdição original, e o processo foi reaberto na
Justiça Federal.
2.2 A visão de um Francês sobre o sistema Norte-Americano.
Alexis de Tocqueville foi um aristocrata, intelectual
político e historiador francês que, depois de visitar e estudar os Estados
Unidos da América, escreveu, em 1835, uma das obras seminais para a compreensão
daquele país, ao comparar o seu processo de formação político com o das nações
européias, que ainda eram Monarquias.
O principal ponto observado por Tocqueville na América é a
igualdade de condições, que se reflete numa fragmentação do poder político por
ser também atribuído ao povo, e não apenas aos nobres ou ao clero, como na
Europa
. Para
ele, ao sentirem as leis como obras suas, a comunidade aceita a associação
entre eles com amor e sem custo, substituindo o poder dos nobres e do rei
.
Segundo ele, um aspectos importantes foi a contribuição dos
puritanos que, vindos da classe média inglesa a partir de 1620 para o
continente americano, tiveram o cuidado de, ao chegar, formaram comunidades
organizadas e com fortes laços, não só políticos como também religiosos
. Além
disso, “
As colônias inglesas, e foi essa
uma das causas principais de sua prosperidade, sempre gozaram de mais liberdade
interior e de mais independência política do que as colônias dos outros povos,
mas em parte alguma esse princípio de liberdade foi mais completamente aplicado
do que nos Estados da Nova Inglaterra”
.
Disso resultou um corpo de leis políticas que reconheciam
princípios que, segundo Tocqueville, os europeus do século XVII ainda não compreendiam
e não aplicavam: a intervenção do povo nas coisas públicas, o voto livre do imposto,
a responsabilidade dos agentes do poder, a liberdade individual e o julgamento
por júri
.
Ele diz, textualmente, que
“Na maior parte das nações européias, a existência política
começou nas regiões superiores da sociedade e comunicou-se, pouco a pouco, e
sempre de maneira incompleta, às diversas partes do corpo social. Já na
América, podemos dizer que a comuna foi organizada antes do condado, o condado
antes do Estado, o Estado antes da União. [...] No seio da comuna, vemos reinar
uma vida política real, ativa, toda democrática e republicana. [...] A comuna
nomeia seus magistrados de todo tipo; ela se tributa, ela reparte e arrecada o
imposto sobre si mesma”
.
Ao descrever a estrutura federativa da América, Tocquevile aponta
que ela é formada por “
vinte e quatro
pequenas nações soberanas, cujo conjunto forma o grande corpo da União”.
Essa federação é formada, no primeiro degrau, por uma “comuna”, mas acima o
condado, enfim o Estado
.
Embora a sua organização não seja idêntica em toda a União,
no geral as comunas são formadas por dois a três mil habitantes que deliberam
sem uso de representantes legais; porém, elegem alguns indivíduos – os “select-men”
- para exercerem funções administrativas, mas as decisões fundamentais são
tomadas por todos, mediante assembléias gerais convocadas por eles
. Embora
não tenha existência política, o condado é formado por partes que não têm entre
si laços necessários, mas que, sozinhos, não teriam condição de manter uma
estrutura para administração da justiça
.
Para TOCQUEVILLE, embora necessária para certos
empreendimentos, a centralização não produz uma grandeza permanente, mas apenas
passageira, pois, apesar de reunir forças para triunfar em um combate, ela
debilita os povos, diminui o sentido de cidadania e não consegue abraçar todos
os detalhes da vida social. Por isso, certos empreendimentos devem ser deixados
para o Estado nacional e outros para o povo
.
Ao dar seu testemunho sobre o que viu na América,
Tocqueville diz:
“O que mais admiro na América não são os efeitos
administrativos da centralização, mas os efeitos políticos. Nos Estados Unidos,
a pátria se faz sentir em toda a parte. É um objeto de solicitude desde a
cidadezinha até a União inteira. O habitante se apega a cada um dos interesses
de seu país como se fossem seus. [...] Não raro, o europeu vê no funcionário
público apenas a força; o americano vê nele o direito. Podemos, pois, dizer que
na América o homem nunca obedece ao homem, mas à justiça ou à lei”
.
Isso se reflete no papel do Poder Judiciário na América,
pois ele se faz sentir em todo acontecimento político. Há três características
apontadas por Tocqueville: [1] o juiz atua somente como árbitro, sendo
necessária uma ação, uma contestação e um processo; [2] ele só atua em casos
particulares e não se pronuncia sobre princípios gerais; [3] somente agindo
quando chamado
.
Segundo ele, “
O juiz americano não pode
se pronunciar, a não ser quando há litígio. Ele trata exclusivamente de um caso
particular e, para agir, deve sempre esperar que o tenham solicitado”
.
Ao tratar do centralismo da Constituição como elemento
fundamental da política norte-americana e comparar este sistema com o das
nações européias daquela época, Tocqueville afirma que uma constituição
americana não é considerada imutável, como na França, e nem pode ser modificada
pelos poderes ordinários, como na Inglaterra. Ela é uma obra à parte que,
representando a vontade de todo o povo, vincula tanto os legisladores quanto os
simples cidadãos, mas que pode ser mudada pela vontade do povo, segundo formas
estabelecidas e nos caso previstos; ela pode variar, mas enquanto existe é a
origem de todos os poderes
.
Ao tratar da relação entre este poder dos juízes e o poder
da Lei, Tocqueville aponta que
“Os americanos confiaram, pois, a seus tribunais um imenso
poder político, mas, obrigando-os a só criticar as leis por meios judiciários,
diminuíram muito os perigos desse poder. [...] Encerrado em seus limites, o
poder concedido aos tribunais americanos de pronunciar-se sobre a
inconstitucionalidade das leis representa também uma das mais poderosas
barreiras erguidas contra a tirania das assembléias políticas”
.
Num sentido geral, portanto, pode-se dizer que Tocqueville descreve
não só a situação que se lhe apresentava como atual, mas também a formação da
comunidade política dos EUA. Aponta os fatores que levaram a uma sociedade
democrática, fundada na idéia de igualdade de condições, que levou a um Estado
republicano e federativo, este formado a partir de uma estrutura de união de
pequenos grupos (as comunas) até a União, passando pelos condados e pelos
Estados. Sustenta que a participação política ativa dos membros da comunidade
dá um sentido de legitimidade às decisões coletivas. Essa participação se dá
pelo voto e pela responsabilização dos agentes políticos. Destaca, porém, a
importância do sistema de controle entre os poderes ao referir a importância da
necessidade dos limites.
3 Articulação
crítica entre os conteúdos.
A partir do texto apresentado, é possível traçar algumas
premissas que, embora não conclusivas no sentido de uma verdade inalcançável,
permitem supor realizar algumas afirmações reflexivas sobre o momento atual do
Judiciário brasileiro e as transformações legislativas ocorrentes no Processo
Penal Brasileiro.
É possível afirmar que evolução histórica de uma Sociedade
produz as instituições que nela existem atualmente e que este processo não é
estanque, mas sim dinâmico, alterando conforme são percebidos os erros ou
acertos das experiências realizadas.
No caso do processo penal, há fundamental importância para a
visão que a Sociedade tem do papel do juiz, seus poderes, seleção e atuação
inquisitiva ou acusatória, pois é partir desta conformação político-social que
serão parametrizados aqueles critérios.
Como se vê dos temas articulados entre si (palestra
proferida e livro doutrinário), o papel e forma de atuação do Juiz
Norte-Americano decorrem de uma visão diferenciada da Administração da Justiça,
que, por sua vez, nasceu tanto de restrições históricas nas origens do sistema
inglês quanto do processo de formação do Estado Norte-Americano, partindo do
indivíduo para o Estado central por intermédio dos Condados e Estados.
Por outro lado, não pode deixar de apontar que mesmo no
sistema Norte-Americano há críticas tanto ao papel fortemente acusatório do
Juiz (gerando uma inércia na ação e uma exacerbação da falta de controle sobre
outros órgãos, como no caso das críticas ao “plea bargain”), quanto ao processo
de seleção deste.
De fato, em outro curso realizado, foi possível constatar a
existência de entidades não governamentais norte-americanas que estudam estes
temas e já produziram críticas à situação atual daquele Judiciário. O “Institute
for the Advancement of the American Legal System” (IAALS) é uma entidade destas
e atua em três áreas para reformar o sistema judicial norte-americano: [1]
seleção de juízes; [2] avaliação (“accountability”) e [3] reforma das regras do
processo civil. Com relação à seleção de juízes, o IAALS defende o sistema de
“Informed Judicial Selection”, no qual a seleção dos juízes seguiriam critérios
meritocráticos fundados em relatórios e avaliações permanentes do trabalho
realizado pelos juízes, em vez do sistema de eleição (especialmente o
partidário), pois as eleições implicam dois problemas sérios observados nos
EUA: [a] o juiz tem que pedir dinheiro, e para quem pedirá ?; [b] o juiz tem
que ter liberdade para focar na lei e não pensar se a decisão legal é popular
ou não.
No Brasil, como se sabe, o sistema político teve uma
história diferente, com centralização do poder político desde a época do Brasil
Colônia, legando diversos fatores culturais diferentes, tais como [a] dualismo
legal entre o direito romano idealizado pelos acadêmicos a partir do corpus
júris de Justiniano e o direito romano modificado que foi incorporado pela
prática e pelos costumes; [b] pluralismo de regimes jurídicos dados como
privilegio a determinadas classes, conforme a cidadania (romanos vs. Ibéricos,
depois visitados vs. Hispano-romanos, mouros vs. Visitados etc), privilégios
legais especiais para cidades que eram libertadas (decretos chamados de
forais), e associações que ficavam fora da jurisdição ordinária (nobres,
militares, clero, professores, etc) e [c] o catolicismo dogmático e formal que
impunha leis que não eram observadas pelos populares, como a proibição de
religião aos judeus, a proteção aos índios e a vedação do divorcio que foi
burlada pelo desquite e casamentos em embaixadas, etc
.
Por outro lado, Sabe-se que a sociedade brasileira
contemporânea parece exigir, cada vez mais, a velocidade e a celeridade dos
processos, postulando um Judiciário que dê rápida solução aos litígios. Daí
porque, no âmbito da chamada “Reforma do Judiciário”, foi providenciada a
inserção do direito à razoável duração do processo no catálogo dos direitos
fundamentais constitucionais
. Não é
por outro motivo que, em duas ocasiões, os presidentes dos três poderes da
República assinaram o chamado “Pacto por um Judiciário mais rápido e
republicano”
,
assumindo compromissos políticos orientados para a promoção de medidas que
facilitem a obtenção deste resultado. No âmbito destas reformas processuais, a
preocupação também é crescente, já que se atribui a uma suposta lentidão dos
processos criminais a causa de impunidade que provocaria aparente insegurança da
população.
Antes da independência do Brasil, o Processo Penal foi
regido, sucessivamente, pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas,
tendo esta última vigorado até a edição do Código de Processo Criminal,
promulgado pela Lei 29, de Novembro de 1832. Posteriormente, com o golpe de
1937, mediante decretos-lei que não passaram pelo Legislativo, foram editados
os Códigos Penal – CP – e de Processo Penal – CPP –, de 1940 e 1941,
respectivamente, em vigor até hoje. Apesar disso, o CPP passou por diversas
alterações pontuais, especialmente a partir da década de 1990. Em 2001, várias
propostas foram agrupadas em sete projetos de lei, dos quais três foram
aprovados em 2008 (Lei 11.689, 11.690 e 11.719), gerando uma “reforma tópica”
que alterou profundamente o rito procedimental
Atualmente, Tramita na Câmara dos Deputados, sob o número
8.045/2010, o projeto de novo Código de Processo Penal (CPP), com a promessa de
que sua aprovação irá colaborar na redução da impunidade no Brasil.
Dois aspectos deste projeto têm profunda relação com os
temas abordados: [1] a prevalência do sistema acusatório (art. 4º), com
restrição aos poderes do juiz com relação à iniciativa probatória, chegando à
instituição do juiz de garantias (previsto a partir do art. 14, separando-se o
juiz que atua na fase da investigação criminal daquele que comanda a ação
penal, para proibir que presida a ação o juiz que tenha determinado ou decidido
alguma medida liminar ou de prova durante o inquérito) e [2] o novo
procedimento sumário, previsto a partir do art. 283, permitindo-se que o
Ministério Público e o Réu façam um acordo até o início da instrução, no qual à
confissão, parcial ou não, com relação aos fatos imputados e, consequentemente,
aplicação imediata das penas mínimas possíveis, com dispensa da produção da
prova e validade de sentença penal condenatória.
Por fim, não se pode deixar registrar a ressalva de que,
embora as comparações entre os sistemas possam trazer aprimoramentos para cada
um deles, a ligação entre o Direito e os valores Sócio-culturais de uma
determinada Sociedade (revelada pela evolução histórica dos Sistemas Jurídicos),
não se afigura conveniente a migração pura e simples de institutos jurídicos ou
normas estrangeiras sem a devida adaptação à realidade e à Constituição brasileira.
A importação descontextualizada de sistemas estrangeiros implicará não apenas
uma invalidade jurídica, mas também a sua ineficácia, pois desfigurada a base
social que poderia ampará-la. A simples transposição do “plea bargain” (que já
sofre críticas nos EUA) e do “sistema acusatório” para a realidade brasileira
pode gerar graves distorções, como as observados atualmente no Sistema
Norte-Americano. Por isso, a importação destes modelos não pode ser feita sem a
devida crítica, pois as sociedades estrangeiras são diferentes da brasileira,
seja no que se refere à sua formação econômica e demografia, seja no que toca à
sua Cultura e Valores.
4 Bibliografia utilizada.
KOURLIS, Rebecca Love. Institute
for the Advancement of the American Legal System: presentation. Palestra
proferida no JUDICIAL SEMINAR ON UNITED STATES LAW. Denver: Sturm College of
Law, 15 fev. 2010. Anotações do curso.
RAMOS, João Gualberto Garcez. Processo Penal Norte-Americano. Palestra proferida no Curso de
Currículo Permanente –Módulo IV – Direito Penal e Processual Penal (edição
presencial). Florianópolis: Auditório da Justiça Federal, 21 out. 2011.
Anotações do curso.
ROSENN, Keith S. O
jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
TOCQUEVILLE, Aléxis de. A Democracia na América: leis e costumes políticos que foram
naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático.
Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001