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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Aladdin contra o Judiciário


Depois dos dois primeiros pedidos (saúde para a família e dinheiro para si), José pensava no terceiro, enquanto o Gênio da lâmpada recém achada esperava. Chateado com notícias dadas pelo CNJ e pela imprensa contra os juízes, pediu o fim do Judiciário e todas as suas “invenções” jurídicas. Surpreso, o Gênio balançou a cabeça e realizou o pedido.

Com a mala cheia de dinheiro, José foi ao Banco, onde, para entrar, foi submetido à revista pessoal e íntima – pensou em processar por danos morais, mas lembrou que foi o Judiciário que, antes do Código Civil, reconheceu este direito. Sem ter o que fazer, calou a boca e abriu uma conta, mas ficou surpreso com as taxas que teria que pagar (até taxa de abertura de crédito e taxa uso de porta giratórias) – e percebeu que, sem dano moral e proteção ao consumidor, ficava refém.

Desistiu de depositar o dinheiro e voltou para casa. Encontrou sua companheira tossindo sangue. Ela informou que acabara de retornar do médico que diagnosticou câncer. E saúde para a família, seu primeiro pedido, pensou José? Angustiado, não lembrou que foram os juízes que deram proteção à união estável – sem isso, não mais haveria companheiros reconhecidos como família e nem lei prevendo os direitos destes. Pensaram em ir ao posto médico pedir os medicamentos, mas, ao chegarem, descobriram que o programa de distribuição de remédios contra AIDS, Câncer e outros não existia mais. Afinal, sem Judiciário livre para exigir isso, quem mais pediria ?

Voltaram para casa e encontraram o filho, saudável, sem fazer nada. José perguntou por que ele não foi para a aula, recebendo a resposta de que não tinha ônibus para levá-lo à escola pública – que nunca fora construída por perto, pois ninguém mais podia obrigar o Prefeito a fornecer ensino básico previsto na Constituição.

Desolado, José pensou no dinheiro que ainda tinha e resolveu ir ao trabalho pedir demissão. Lá chegando, porém, viu que a empresa estava fechando as portas – o dinheiro em caixa foi confiscado pelo Plano Collor e a matéria-prima importada ficou presa no porto por erro bobo de classificação e não havia a quem argumentar contra o Governo. Seus colegas estavam todos de cabeça baixa, porque foram mandados embora sem nenhum direito e não tinham a quem recorrer.

José se agarrou à sua mala de dinheiro. Pelo menos ele estava a salvo. Ao chegar perto do ponto de ônibus, policiais que ali estavam abordaram José. Fizeram a revista nele e acharam o dinheiro – sem explicação, suspeitaram de José e o prenderam. Como não tinha a quem pedir socorro, ele lembrou que o financiamento da sua casa vencia no dia seguinte e não quis nem pensar no que faria sem poder discutir em juízo ou se beneficiar dos mutirões de conciliação que o Judiciário promovia.

Seu último pensamento foi a lembrança da frase famosa: “cuidado com o que deseja, você pode conseguir”.

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Alguns comentários jurídicos pós-texto:


- embora a Constituição de 1988 previsse o dano moral (art. 5º, inc. V), o Código Civil de 1917 não previa e foi o trabalho construtivo dos juízes que estabeleceu a auto-aplicabilidade deste instituto, pois o Código de Defesa do Consumidor só veio em 1990 e o novo Código Civil em 2002; sendo que eles vieram como resposta à necessidade sentida com os julgados que já reconheciam estes novos direitos que a Sociedade aspirava;

- há várias súmulas do STJ reconhecendo direitos decorrentes de interpretação dos juízes de primeiro e segundo grau (Desembargadores) com relação à proteção dos usuários de serviços bancários, tais como a incidência do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 297) - incluindo empresas de previdência privada (Súmula 321) e administradoras de cartão de crédito (Súmula 283) - e taxas ilegais cobradas, como a cumulação da comissão de permanência com correção monetária e outras "liberalidades" feitas pelos bancos (Súmula 30, 296 e 472) e reconhecimento da responsabilidade por danos decorrentes de fraudes por terceiros (Súmula 479);

- o reconhecimento da União Estável ou da Sociedade de fato entre conviventes foi judicial, muito antes da Lei 8971/1994; para ter um exemplo, a súmula 37, do STJ, construída depois de vários julgados de primeiro grau, foi lançada quase dez anos antes do Código Civil de 2002; a súmula 12, do TJ de Santa Catarina, de 1994, que reconhecia a competência das Varas de Família, decorreu de vários julgados referentes à dissolução da sociedade de fato que já tramitavam na justiça de primeiro grau;

- os direitos sociais decorrentes da qualidade de vida e da saúde necessitam de políticas públicas do Estado, mas a insuficiência e a omissão destas, em conflito com o crescente desejo da população e insatisfação com a mera negativa, levam a milhares de ações judiciais que buscam a implementação destes Direitos - que, em alguns casos, obrigaram o Executivo a reconhecer a necessidade de criar ou aperfeiçoar políticas estatais; tudo isso leva a diversos questionamentos (reserva do possível, disponibilidade orçamentária, legitimidade democrática da decisão, aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, etc) - o tema não é de fácil solução, mas alguém precisa dar a última palavra e, para avançar sobre esta temática, sugiro a leitura de vários artigos disponíveis no site da Revista de Doutrina do TRF4 (http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/), dentre eles o de autoria do juiz Roger Raupp Rios (clique aqui);

- são inúmeras as ações ajuizadas pelo Ministério Público e deferidas pelos juízes acerca dos direitos à educação e ao respectivo transporte escolar; para uma compilação delas, confira clicando aqui;

- além das milhares de ações referentes ao Sistema Financeiro de Habitação,  nos quais o Poder Judiciário reconheceu direito de revisão contra problemas contratuais existentes (em especial quando a amortização é negativa), a Justiça Federal, pioneiramente na Região Sul, realiza há anos mutirões para viabilizar soluções concilatórias; vide alguns exemplos anteriores a 2008, clicando aqui e aqui.



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