Por que uma aldeia suíça que aceitava receber uma usina
nuclear mudou de idéia quando lhe foi oferecido incentivo econômico ? Por que
pais passaram a atrasar-se mais ainda para buscar seus filhos numa escola
quando foi estipulada multa pelo atraso ? Por que os amigos trocam presentes de
natal entre si ao invés de simplesmente entregar dinheiro para que o outro
escolha aquilo que de fato deseja ? Exemplos reais e outras indagações são
apresentados por Michael Sandel em sua obra “O que o dinheiro não compra: os
limites morais do mercado” para discutir a possibilidade ética da
universalização da lógica da compra e venda. Seria possível criar um mercado de
compra e venda de filhos adotivos ? Vender lugares na fila de doação de órgãos
? Fazer uma bolsa de apostas sobre quem morrerá primeiro ?
Num breve resumo da obra de Sandel, ele aponta dois
principais argumentos contrários ao uso do mercado como regra para todas
distribuições de bens: [1] a objeção da equanimidade, ou seja, de que a troca
ou compra e venda dependem de um livre consentimento, que não existe em
situações de extrema necessidade ou de desconhecimento das informações e [2] a
objeção da corrupção (ou degradação), pela qual o estabelecimento de um preço
para certos bens degrada moralmente este bem a ponto de tirar o seu valor.
A diferença fundamental entre estes dois argumentos é que o
primeiro admite a lógica de mercado para um tipo específico de relação moral ao
passo que o segundo estabelece limites.
Aplicando a segunda objeção nos exemplos dados acima (que
são reais), Sandel aponta que os suíços admitiam receber a usina nuclear apesar
de todas as conseqüências negativas porque entendiam que era uma obrigação
cívica em prol da coletividade; porém, quando inserido o incentivo econômico, a
questão passou a ser vista sob outra ótica, a meramente financeira, retirando o
valor moral que aquele ônus acarretava. O mesmo ocorreu com a creche que,
pretendo evitar os atrasos dos pais em pegar seus filhos, impôs uma multa; este
encargo financeiro transformou a obrigação moral de não se atrasar em um
simples preço a pagar pelo atraso; ou seja, aquilo que antes era vergonhoso, e
por isso insuportável, passou a ser um mero ônus financeiro, suportável.
É possível fazer um paralelo com a idéia de igualdade
complexa ou esferas de justiça da obra de Walzer (“Esferas da Justiça: uma
defesa do pluralismo e da igualdade”), para quem a Igualdade consiste em evitar
a dominação de um bem social (dinheiro, cidadania, poder político, amor,
educação etc) pelo só fato de se possuir outro bem social. Em outras palavras, a
distribuição de um bem (amor) depende de fatores internos a ele, e não à
disponibilidade de outro (dinheiro, por exemplo). Segue a máxima de que “nenhum
bem social x será distribuído a quem possua algum outro bem y meramente porque
possui y e sem desconsideração ao significado de x”. No seu modelo, cada bem
social corresponde a uma esfera distributiva e os critérios de distribuição de
cada uma delas não poderia ser afetado pelas demais esferas, pois os bens sociais
apóiam-se em redes de significação compartilhada e seguem uma lógica de
distribuição interna a cada um deles. Para ele, há três critérios – ou
princípios distributivos – identificáveis num primeiro momento: livre
intercâmbio, mérito e necessidade. [Para outra abordagem desta mesma linha deraciocínio – não confusão entre as esferas ou camadas morais – vide a concepçãode Andre Comte-Sponville sobre as relações entre Economia, Ciência, Política,Direito e Amor/Ética, clicando aqui].
Tomando estas para o caso brasileiro, nesta semana
noticiou-se que uma catarinense está participando de um Reality Show
estrangeiro no qual leiloará sua virgindade. Como não se trata de pessoa em extrema
necessidade financeira e que aparentemente tem plena capacidade e conhecimento
para entender as repercussões de seu ato, a primeira objeção não se aplica.
Porém, será que o leilão da virgindade não degrada aquilo que seria a concepção
moral do ato de amor ou se trata apenas do reflexo de uma valoração já existente nas relações sexuais?
Não são respostas fáceis, mas talvez o momento seja o de
iniciar o debate e, neste contexto, a recente obra de Michael Sandel tem uma
contribuição enorme a dar.
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Fiquei vários meses sem postar nada neste Blog em função da absoluta falta de tempo que as atividades associativas tem me roubado. Tentarei retomar os posts, ainda que esporadicamente.