"A justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito." (Ihering, "A Luta pelo Direito").
Diz o senso comum que a boa ação deve ser incentivada, a má, reprimida; e que, para bem reprimir, não interessa o tamanho da pena, mas a certeza da punição.
A cultura jurídica brasileira, porém, parece seguir o inverso.
Ao invés de se preocupar com o credor, a lei dá mais ênfase ao devedor; no criminal, privilegia em excesso o réu em detrimento da vítima. Isso prejudica a toda população honesta. O resultado mais visível é a sensação de impunidade que gera medo e insegurança em todos.
Porém, a virtude é um meio termo entre dois extremos, como já dizia o filósofo Aristóteles.
Logo, o processo criminal não pode focar apenas os réus, mas também as vítimas e a Sociedade; o processo civil, por sua vez, não pode pensar apenas em quem é devedor, mas também permitir que o credor possa se recuperar do seu prejuízo.
No âmbito penal o que se vê é a legislação cada vez mais branda, procedimentos mais complexos e com mais recursos, proliferação de armadilhas processuais que geram nulidades em questões quase irrelevantes, e pouca preocupação com os direitos da vítima, que, em Sociedade, pode ser cada um de nós.
Um bom exemplo disso é o foco na suposta ilegalidade no uso de algemas, em vez de buscar a punição dos crimes de colarinho branco; ou, ainda, a execração das interceptações telefônicas por prazos longos (necessários para configurar as quadrilhas que, experientes, usam códigos, trocas de aparelhos, e outros subterfúgios para evitar a investigação - confira mais sobre "grampos e grampeadores" clicando aqui) proibindo-se meios eficientes de combate ao crime.
O extremo do direito de “não fazer prova contra si” (diferente da interpretação dada em outros países mais desenvolvidos) - que chegar ao cúmulo do direito de mentir em juízo - aliada a uma legislação mal feita e à falta de fiscalização eficaz produz o aumento do número de motoristas embriagados irresponsáveis, matando e lesionando pessoas inocentes.
O processo civil não é diferente.
Se um comerciante sabe que de cada dez geladeiras que vende duas não serão pagas, ele embutirá o custo disso nas outras oito, aumentando o preço em 25 %; logo, os oito bons compradores pagarão pelos dois maus. As leis que criaram o sistema de alienação fiduciária de imóveis com a sua retomada rápida induziram o crescimento do setor com a redução dos juros.
Ao dizer inconstitucional a lei que prevê que o imóvel do fiador locatício responde pela fiança dada, deixando de garantir o mau pagador, a decisão está, na prática, gerando o efeito de o mercado passar a exigir fiadores com dois imóveis ou aumentar o preço de fianças bancárias, prejudicando justamente os bons pagadores. O mesmo se dá com a dificuldade de retomada de imóveis alugados, que produz a desistência dos proprietários de colocarem no mercado apartamentos, gerando uma redução na oferta e, consequentemente, aumento no preço geral.
Há exceções à regra, que mostram o acerto de leis mais preocupadas com a vítima e demonstram que é possível, sim, existir meios eficazes na proteção dos Direitos. A prisão civil do pai que não paga a pensão é um bom exemplo, pois dá resposta rápida e firme para quem precisa do dinheiro para se alimentar. A chamada lei Maria da Penha é outro exemplo, pois aplicação firme inibe a criminalidade contra a mulher, mostrando que sua efetividade é maior do o ECA (este, infelizmente, apesar da boa intenção, sucumbiu perante a realidade da falta de investimentos na sua concretização). Eventuais excessos ou equívocos - que são exceção - podem e devem ser corrigidos via recursos, mas é necessário haver a lei geral que proteja a grande maioria das situações.
Infelizmente, os anteprojetos de códigos processuais penal e cível não alterarão esta lógica invertida.
O novo CPC repete em linhas gerais o atual e significa mais do mesmo: excesso de recursos e formalismo [para um estudo sobre as reformas anteriores, clique aqui].
O CPP, por sua vez, piora mais ainda a lei atual porque, dentre outros,extingue a multa para manobras de obstrução pela defesa, cria novo obstáculo para a ordem de oitiva de testemunhas, introduz medida inútil e procrastinatória (juiz das garantias - para críticas mais aprofundadas quanto a este instituto, clique aqui) e, na prática, traz poucas novidades efetivamente úteis.
É necessário perceber que todos são perdedores quando a legislação privilegia o devedor e o réu em detrimento do credor e das vítimas e modificar esta cultura. Isso só poderá ser feito com mobilização da Sociedade para cobrar de todos os agentes públicos o compromisso de preocupação com a efetividade as regras de convivência. Nessa cobrança, demonstrar a insatisfação com a legislação facilitadora de recursos protelatórios e exigir mudanças profundas no modo de pensar o processo.
Evidentemente não existem soluções prontas ou fáceis que possam ser usadas de uma única vez para conduzir ao resultado esperado; porém, algumas modificações - talvez até radicais - devem, no mínimo, ser discutidas.
Em artigo anterior – no qual abordei uma teoria do “mínimo essencial do processo” – foi possível sugerir, ainda que em resumo, algumas possibilidades, como [1] a PEC dos Recursos (atualmente parada no Congresso); [2] a generalização do rito dos juizados para as ações individuais; [3] a adoção concreta da oralidade; [4] a simplificação das sentenças; [5] a universalização do depósito recursal; [6] a redução da análise dos fatos pelos Tribunais de Apelação (que poderiam rever as matérias de direito e no caso dos fatos, tal qual ocorre no Tribunal do Júri, somente quando a decisão do juiz de primeiro grau for contrária às provas dos autos, dando prevalência a quem teve contato imediato com as provas e conhece a realidade dos fatos da localidade), etc.
Além disso, é feita referência a outro artigo (clique aqui para maiores detalhes), no qual há outras sugestões, como a [7] simplificação dos ritos com [7.1] adoção apenas do rito sumário documental, no mandado de segurança, [7.2] do rito dos juizados para ações individuais e [7.3] ritos coletivos com democratização deste e colocação em prioridade nos Tribunais sob pena de trancamento de pauta (como hoje ocorre no legislativo com as Medidas Provisórias); [8] ampliação do “contempt of court”; [9] juros progressivos nas condenações de sucumbência; [10] adoção do sistema de “Michigam” com sanção pela não aceitação de soluções arbitradas razoáveis; [11] simplificação das petições iniciais com quesitação dos fatos, etc.
No processo penal, outro post deste blog (clique aqui) sugere [12] a modificação do sistema de Transação, previsto na lei 9099/95, para um modelo que seja um meio termo entre o atual e o instituto do “plea bargain” norte-americano.
De qualquer forma, estas medidas, por si só, não resolveriam todos os processos.
Primeiro porque a legislação processual é apenas uma parte do problema, sendo necessário pensar nas formas de administração dos procedimentos burocráticos, ampliação de estrutura cartorária, treinamento e seleção de servidores, aprimoramento das instâncias de fiscalização (o caso da lei de trânsito é clara, não basta a lei, é necessária a educação dos motoristas e principalmente a vigilância policial com várias "blitz") etc.
Segundo, porque a cultura jurídica brasileira ainda é influenciada por diversos fatores históricos e sociológicos que privilegiam o formalismo (sugiro a leitura do ótimo livro do brasilianista ROSENN, Keith S. O jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.).
Terceiro, a Sociedade Brasileira está repleta de injustiças sociais e econômicas que aportam no Judiciário e este, infelizmente, não tem condições de ser o agente responsável pela solução de todos os problemas – pode ajudar ou piorar, mas não resolver sozinho. E, ainda, porque, em nenhum país do mundo, a Justiça anda tão rápido quanto deseja o coração humano; é impossível atender de forma imediata todas as pretensões.
Primeiro porque a legislação processual é apenas uma parte do problema, sendo necessário pensar nas formas de administração dos procedimentos burocráticos, ampliação de estrutura cartorária, treinamento e seleção de servidores, aprimoramento das instâncias de fiscalização (o caso da lei de trânsito é clara, não basta a lei, é necessária a educação dos motoristas e principalmente a vigilância policial com várias "blitz") etc.
Segundo, porque a cultura jurídica brasileira ainda é influenciada por diversos fatores históricos e sociológicos que privilegiam o formalismo (sugiro a leitura do ótimo livro do brasilianista ROSENN, Keith S. O jeito na cultura jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.).
Terceiro, a Sociedade Brasileira está repleta de injustiças sociais e econômicas que aportam no Judiciário e este, infelizmente, não tem condições de ser o agente responsável pela solução de todos os problemas – pode ajudar ou piorar, mas não resolver sozinho. E, ainda, porque, em nenhum país do mundo, a Justiça anda tão rápido quanto deseja o coração humano; é impossível atender de forma imediata todas as pretensões.
É bem verdade que apenas alterar as leis não resolve os problemas, mas que ajuda, ajuda, e, a longo prazo, não só evitará o sentimento de injustiça sentido por uma parte da população, como também beneficiará a grande maioria que respeita as regras de convivência em Sociedade.