Observação inicial: o texto a seguir é uma tradução e adaptação livre que fiz para servir de material complementar para curso EAD disponibilizado aos servidores da Justiça Federal de Santa Catarina no ano de 2020, com base base na bibliografia referenciada ao final. Como não sou tradutor, pode haver limitações; por isso, caso necessário, recomendo a leitura dos materiais originais em inglês.
O quê é “IRAC”?
IRAC significa “Issue”, “Rule”, “Application” e “Conclusion”. Traduzo-os livremente por Questão, Regra, Subsunção e Conclusão. É uma maneira de estruturar a análise jurídica de um problema a partir dos fatos, característica do método norte-americano de ensino e de como eles percebem o fenômeno jurídico.
Pode ser usado tanto para dissecar um julgamento já realizado quanto para responder um questionamento a partir dos fatos dados. Um artigo, parecer ou resposta (=“brief”) segue, em geral, a estrutura do IRAC, que é organizado em torno de cada um desses elementos para cada questão identificada no problema jurídico. A estrutura permite distinguir imediatamente o problema que o tribunal enfrentará (questão); as leis relevantes a serem usadas no julgamento (Regra), como os fatos do caso se aplicam à regra (Subsunção); e o resultado esperado (Conclusão).
Como fazer o “IRAC”
1. Declare a Questão
A resposta começa a partir dos fatos apresentados no problema. Eles definirão qual a questão a ser decidida e ela é o elemento mais importante na análise. Deve ser definida de forma a mostrar o quê está controvertido. Para encontrar a questão, pergunta-se: "o que está controvertido nesses fatos?" ou, ainda, “qual a questão que, se respondida, determina o resultado do caso?”. A questão legal une a regra aos fatos específicos do problema identificado. A sua definição depende da controvérsia jurídica apresentada pelos fatos. Obviamente, é necessário conhecer a lei para encontrar a questão jurídica envolvida.
Deve-se usar a estrutura "se, quando" para ajudar a isolar e escrever uma declaração de problema, mas com cuidado para não cair no clichê específico de sempre usar a mesma expressão "a questão é se". Ela pode ser usada para começar a orientar o pensamento: "A questão é se…”; e, em seguida, identificar a conclusão jurídica que se imagina que deve ser tomada.
Exemplo: “A questão é saber se João fez uma proposta irrevogável quando enviou um email contendo o título oferta e mencionando com valor e prazo para aceitação”. Outro exemplo: “Discute-se se Maria perde o direito à pensão previdenciária quando se separa sem exigir obrigação de prestação de alimentos do seu ex-marido”.
2. Declare a(s) norma(s)
Depois de ter a questão, deve ser declarada a norma. Apresente-a como um princípio geral e não uma conclusão particular para o caso concreto. A regra e os fatos estão intrinsecamente ligados. A análise dos fatos não fará sentido a menos que primeiro seja identificada a regra que determinará o significado jurídico a ser atribuído a esses fatos.
Podem ser usados blocos de construção para descrever a norma jurídica, considerando: (a) fatos geradores; (b) definições legais; (c) as exceções à regra geral; (d) os limites legais previstos para a regra – fatos modificativos ou suspensivos –; e (e) as defesas oponíveis – fatos extintivos.
Ao escrever, recomenda-se usar a hierarquia de conceitos e diretrizes: (1) indo do geral para o específico e (2) definindo cada termo jurídico.
Devem ser identificadas as conseqüências jurídicas da aplicação da regra (“o que acontecerá?”) no caso concreto descrito e qual será seu efeito prático.
3. Análise dos fatos à luz da lei (Subsunção)
A análise ou aplicação é o cerne da discussão e geralmente a maior parte da resposta.
Os fatos devem ser usados de forma a explicar como a regra levará à conclusão.
Uma das maneiras recomendadas é combinar a Norma, tal como decomposta no item anterior, com os fatos. As questões levantadas pelos fatos são examinadas à luz da regra. A declaração da regra conduzirá a organização da subsunção. Cada elemento identificado anteriormente na regra deve ser associada a um fato, usando a palavra "porque" (ou outro conectivo causal) para fazer a conexão entre regra e fato.
"Porque" é a palavra mais importante a ser usada ao escrever a análise.
Usar a palavra
"porque" força que seja feita a conexão entre a regra e o fato.
Também podem ser usadas as palavras "como" e "desde" - elas
têm a mesma função que "porque" e, às vezes, soam menos redundantes
quando usadas no mesmo parágrafo.
4. Conclusão
Cada subquestão deve ser concluída antes de expor a conclusão geral final. Ela não deve ser apresentada como a resposta certa ou errada, mas sim como o resultado de uma análise lógica baseada na regra e nos fatos. Exemplo: “Portanto, a União é responsável pelo pagamento da indenização por danos materiais”.
Exemplos de aplicação
Exemplos simples de “Certo vs Errado”
Certo |
Errado |
No caso, enquanto CAIO, o policial, estava realizando o teste de embriaguez em TÍCIO, ele notou que TÍCIO se encaixava na descrição de uma testemunha ocular do roubo, dando ao policial o estado de flagrância para prendê-lo. |
No caso, CAIO, policial, percebeu que TÍCIO se encaixava
na descrição do suspeito, fornecendo uma causa provável para a prisão, porque TÍCIO era extremamente alto,
com cerca de |
A NONONO LTDA contratou o Dr. CAIO para desenvolver um medicamento que reduzisse a perda de cabelo. CAIO Jones trabalhou em seu próprio laboratório, contratou e demitiu seus próprios assistentes e definiu o horário deles e o seu. Ele se reúne com o presidente da NONONO toda sexta-feira de manhã para discutir o progresso do projeto e, nesse momento, CAIO envia a tabela de seus custos. O Presidente da NONONO paga CAIO semanalmente. |
No caso, CAIO pode ser considerado consultor autônomo da NONONO LTDA, porque ele realiza todo o seu trabalho de pesquisa e desenvolvimento em seu próprio laboratório, em uma instalação separada, onde ele tem controle direto sobre os funcionários e porque contratou seus próprios assistentes, definindo suas horas de trabalho. Ele também exerce controle direto sobre sua jornada, porque define seu próprio horário de trabalho e só se reúne com a NONONO uma vez por semana. Além disso, como ele se reúne semanalmente com o presidente da NONONO para discutir o progresso no desenvolvimento do produto para queda de cabelo, o presidente não supervisiona o diariamente o trabalho de CAIO. |
Exemplo completo de uso de IRAC
Texto Original (inglês) |
Tradução livre |
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*reproduzido de “Using The I-R-A-C Structure in
Writing Exam Answers”. |
Obs.: foram
adaptados alguns dos termos jurídicos, mas a regra original norte-americana
foi mantida; ou seja, não corresponde às normas brasileiras. |
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Caroline was employed as a receptionist for ABC
Corporation. Her desk was located at the entrance of the corporate office and
her duties were to greet customers, answer telephone calls, sort mail, and
respond to general requests for information about ABC. One day, while all of
the managers of ABC were out of the office, a representative of XYZ Insurance
Co. stopped by to solicit ABC as a new client. He told Caroline that he
wanted to find out whether ABC might be interested in canceling its present
employee health insurance plan and adopting a plan provided by XYZ. Although
Caroline explained that none of the ABC managers were in the office, the XYZ
representative nevertheless described his company’s health insurance plan in
detail. When Caroline reacted by stating that XYZ’s plan sounded better than
the current ABC plan, the XYZ representative immediately produced a contract
for Caroline to sign. Reluctantly, Caroline signed the contract accepting the
offer to adopt XYZ’s insurance plan. If XYZ seeks to enforce the contract
against ABC, is ABC bound to the contract? |
Caroline
foi contratada como recepcionista da ABC Corporation. Sua mesa estava
localizada na entrada do escritório e suas obrigações eram cumprimentar os
clientes, responder telefonemas, classificar e-mail e responder a
solicitações gerais de informações sobre o ABC. Certo dia, enquanto todos os
gerentes da ABC estavam fora do escritório, um representante da “XYZ A
Insurance Co.” compareceu para sondar ABC como um novo cliente. Ele disse para
Caroline que queria descobrir se a ABC estaria interessada em cancelar seu
atual seguro de saúde para funcionários e adotar um plano fornecido pela XYZ.
Embora Caroline tenha explicado que nenhum dos os gerentes da ABC estavam no
escritório, o representante da XYZ descreveu seu plano de seguro de saúde empresarial
em detalhes. Quando Caroline reagiu afirmando que esse plano soava melhor que
o plano atual, o representante da XYZ imediatamente produziu um contrato para
Caroline assinar. Relutantemente, Caroline assinou o contrato aceitando a
oferta para adotar o plano de seguro da XYZ. A XYZ pode exigir judicialmente
o cumprimento do contrato em face da ABC? |
||
Whether the insurance contract is binding on ABC
Corp. depends on whether A had actual or apparent authority to enter into it. |
First, the main issues to be addressed are stated. |
Saber se o
contrato de seguro é vinculante para a “ABC Corp” depende da existência de (1)
autoridade real ou (2) aparente de quem assinou o contrato para fazê-lo. |
Primeiro é
apresentada a questão principal a ser enfrentada. |
Actual authority is the agent’s power or responsibility
expressly or impliedly communicated by the principal to the agent. Express
actual authority includes the instructions and directions from the principal,
while implied actual authority is the agent’s ability to do whatever is reasonable
to assume that the principal wanted the agent to do to carry out his or her
express actual authority. |
Next, the applicable rules of law or legal tests to
be used in analyzing the issue are explained. |
(1) A
autoridade real é o poder ou a responsabilidade comunicada pelo agente, expressa
ou implicitamente. A autoridade real expressa inclui as instruções e informações
dadas pela pessoa representada, enquanto autoridade real presumida é a aquela
razoavelmente decorre daquilo que o agente é esperado fazer para cumprir a
sua autoridade real expressa. |
Depois,
são explicadas as normas legais e os conceitos jurídicos que serão usados na
subsunção. |
Here, Caroline’s express authority was to answer
phones, direct messages, collect and sort the daily mail, greet visitors, and
schedule appointments for the company managers. Her implied authority was to
do anything reasonably related to performing those duties. She was not given
any express authority to sign contracts, and signing contracts was not related
to or implied in her duties as a receptionist. |
The rule of law or legal test is applied to the
facts. Note that the facts are not merely repeated; rather, they are linked
to elements of the rule or test as evidence to explain and justify the
ultimate conclusion that there is no actual authority. |
No caso, a
autoridade expressa de Caroline era atender telefones, direcionar mensagens,
coletar e classificar as correspondências diárias, cumprimentar visitantes e
agendar compromissos para os gerentes da empresa. Sua autoridade implícita
era fazer qualquer coisa razoavelmente relacionada ao desempenho dessas
funções. Ela não recebeu nenhuma autoridade expressa para assinar contratos,
e a assinatura de contratos não estava relacionada direta ou implicitamente em
seus deveres como recepcionista. |
A norma
legal e os conceitos jurídicos são aplicados aos fatos. Observe que os fatos
não são meramente repetidos; ao contrário, eles são ligados a elementos da
regra ou do teste como razão para explicar e justificar a conclusão final de
que não há autoridade real. |
Therefore, Caroline had no actual authority to bind
ABC to the contract. |
Conclusion as to the first issue. |
Portanto,
Caroline não tinha autoridade real para vincular ABC ao contrato |
A
conclusão para a primeira questão. |
Apparent authority arises when the principal’s
conduct, past dealings, or communications cause a third party to reasonably believe
that the agent is authorized to act or do something. |
The general rule of law to be applied in analyzing
the next issue is stated. |
(2) A
autoridade aparente surge quando as condutas, transações passadas ou
comunicações anteriores do agente fazem com que terceiros possam razoavelmente
acreditar que o agente está autorizado a agir ou fazer alguma coisa. |
Apresentada
a regra geral do direito a ser subsumida na próxima análise. |
In this case, ABC did not communicate to XYZ that
Caroline had authority to enter into an insurance contract, and no facts
suggest that ABC and XYZ had done business in the past. The nature and
typical responsibilities of Caroline’s position as a receptionist does not
make it reasonable for the XYZ representative to conclude that she was
empowered to select and approve health insurance plans for ABC’s employees. |
The rule is applied to the facts. Note that the
facts mentioned are those that relate to the definition of apparent
authority. |
Nesse
caso, a ABC não comunicou à XYZ que Caroline tinha autoridade para celebrar
um contrato de seguro e nenhum fato sugere que a ABC e a XYZ fizessem
negócios no passado. A natureza e as responsabilidades típicas da posição de
Caroline como recepcionista não tornam razoável para o representante da XYZ
concluir que ela estava habilitada a selecionar e aprovar planos de seguro de
saúde para os funcionários da ABC. |
A regra é
aplicada aos fatos. Observe que os fatos mencionados são aqueles relacionados
à definição de autoridade aparente. |
Thus, Caroline had no apparent authority to
authorize the contract. |
Conclusion for the second issue. |
Assim,
Caroline não tinha autoridade aparente para autorizar o contrato. |
Conclusão
para a segunda questão. |
Because Caroline did not have either actual or
apparent authority to sign the contract, it is not binding on ABC Corp. |
An overall conclusion is reached as to the issue of
liability. |
Como
Caroline não tinha autoridade real ou aparente para assinar o contrato, ele
não é exigível de ABC Corp. |
Uma
conclusão geral é dada quanto à questão da responsabilidade contratual. |
Referências utilizadas
“Briefing
Cases - The IRAC Method”.
“Using The I-R-A-C
Structure in Writing Exam Answers”.
“Learning to Work With IRAC”. Touro Law Center. Url: https://www.tourolaw.edu/ADP/StudySkills/IRAC.aspx, acesso em 11/06/2011.
Leituras recomendadas para aprofundar.
DAVID, René. O direito inglês. São Paulo: Martins Fontes,
1997. 120 p.
FEINMAN,
Jay M. Law 101. 3ª Ed.
HUMBACH, John A. Whose Monet? An Introduction to the American Legal System. Austin: Wolters Kluwer Law & Business / Aspen Publishers, 2007.
SÈROUSSI, Roland. Introdução ao direito inglês e norte-americano. São Paulo: Landy, 2001.