A necessidade de vencer a impunidade, apontada pelo Ministro
Joaquim Barbosa em recente entrevista, precisa de propostas concretas e
factíveis para melhoria do processo penal. Este artigo apresenta, como
sugestão, um decálogo de dez medidas que o Presidente do STF, dentro de suas
atribuições constitucionais, poderia implementar para, de fato, buscar, no
âmbito do Judiciário, uma maior efetividade no processo penal.
Buscou-se, tanto quanto possível, evitar a linguagem
técnico-jurídica para que estas propostas possam ser avaliadas pelo público
leigo – a quem o Direito Penal busca proteger.
Tentou-se apontar algumas direções, ainda que elas possam
trazer contradições entre si e não formem um todo sistemático, pois a questão
não é achar uma resposta definitiva como solução contra a impunidade que tanto
incomoda a Sociedade e aos Juízes (objetivo que seria no mínimo ingênuo e no
limite pouco democrático e arbitrário), mas sim a possibilidade de formação de
um novo discurso para que outras soluções sejam buscadas.
É necessário ir além do conhecido jargão de meras reformas
dos códigos, trazendo, também, os outros agentes do sistema (Delegados,
Promotores e Advogados) para pensar o plano Constitucional, as medidas práticas
e sugestões processuais totalmente novas para experiências que possam sair das
reformas que são “mais do mesmo”.
São estas as propostas.
[01] Apoio efetivo à
PEC 15/2011, apresentada pelo então Presidente Cezar Peluso, que propõe acabar
com os recursos extraordinário e especial e substituí-los por ações rescisórias
(nas palavras do Ministro do STF, agora aposentado, “O sistema atual produz intoleráveis problemas, como a “eternização” dos
processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça. (..) Recursos
às cortes superiores não impedirão a execução imediata das decisões dos
tribunais estaduais e regionais. Tais decisões, aliás, em geral são mantidas
pelas cortes superiores. Em 2010, por exemplo, o STF modificou as decisões dos
tribunais inferiores em apenas 5% dos recursos que apreciou. Os recursos
continuarão existindo como hoje, e, em especial, o habeas corpus, remédio tradicional
contra processos e prisões ilegais. Quem tiver certeza de seu direito ontinuará
a recorrer aos tribunais superiores. Os recursos, no entanto, já não poderão
ser usados para travar o bom andamento das ações judiciais”).
[02] Apresentação de
projeto de lei que extinga a prescrição penal (as razões para isso são
evidentes);
[03] Proposta de
Emenda Constitucional que modifique o rol de competências do STF,
transformando-a numa Corte Constitucional para transferir outros tipos de ações
para o STJ – ampliando e reformulando a composição deste (O Brasil é o único
país do mundo cuja corte constitucional aprecia um amplo rol de ações –
inclusive as ordinárias como a AP 470 que monopolizaram o STF durante vários
meses, deixando outras milhares de questões em aberto. Comparar o STF, com mais
de cem mil processos recebidos por ano, com a US Supreme Court, que julga menos
de cem, é algo absurdo e que só mostra as deficiências do modelo atual O sistema de processos com repercussão geral,
que deveria resolver a questão, só piorou, pois o número de questões admitidas
é muito superior ao de questões julgadas. Em Fevereiro de 2013, já eram mais de
425 mil processos paralisados no Brasil).
[04] Adoção e
valorização constitucional do “plea bargaining” ou transação judicial (Há
necessidade modificação do sistema de Transação, previsto na lei 9099/95, para
um modelo que seja um meio termo entre o atual e o instituto do “plea bargain”
norte-americano. Nos EUA, 95 % dos processos criminais são encerrados por
acordo. Porém, ele não é perfeito, pois como não há fiscalização e
acompanhamento judicial, existem casos de inocentes que assumem culpa para se
livrar do processo ou da repercussão negativa e casos de “blefes” pela
acusação. No Brasil, o sistema atual é pior,
pois, além de excesso de formalismo e recursos, o descumprimento da
Transação gera um “nada”, isto é, o descumprimento só implica a retomada da
ação penal, vários anos depois. A sugestão seria um sistema híbrido que pudesse
atender à eficiência do modelo norte-americano retirando seus defeitos, ou
seja, permitir um "plea bargaining" com controle judicial para evitar
concentração de poder nas mãos de um único órgão e com reforço dos sistemas de defensoria
dativa. Esta posição intermediária se colocaria entre os dois sistemas, obtendo
as vantagens de um - resolução rápida de
casos criminais - com as do outro - controle externo dos acordos).
[05] Apresentação de
projeto de lei que permita utilizar as custas judiciais para contratação de
serviços de taquigrafia ou estenotipia para degravação de audiências (Com a
Lei 11719, de 2008, o Código de Processo Penal foi alterado para permitir a
gravação em audiovisual das audiências. Com isso, evitou-se a perda de tempo,
pois antes mais da metade da audiência era gasta com os ditados feitos pelo
juiz ao assessor para registrar em ata – sem contar a perda da fidelidade ao
que foi dito pelas testemunhas. Porém, foi criado o problema da necessidade de
os advogados, promotores, juízes e desembargadores terem de rever todos os
vídeos em momentos posteriores. Cobriu-se um Santo para descobrir outro. Logo,
para manter a eficácia e ganho de tempo, é necessário adoção de serviços de
transcrição imediata das audiências que não sejam o simples deslocar servidores
dos cartórios judiciais para fazer a tarefa).
[06] Criação de um
rito ordinário imediato para os casos de prisão em flagrante (Atualmente, o
réu é preso, levado ao Delegado, Nas hipóteses em que existe prisão em
flagrante, porque não substituir o inquérito policial, com testemunhas e
diligências que depois terão de ser refeitas, por um processo judicial imediato
? Neste caso, o preso teria contato imediato com um advogado – seu ou da
defensoria – e o Ministério Público, no ato da apresentação do flagrado, já
apresentaria uma denúncia com base nos elementos que lhe foram trazidos, sendo,
então, realizada audiência imediata pelo juiz, para recebimento da denúncia,
oitiva das testemunhas do flagrante, interrogatório do réu, decisão sobre
liberdade provisória ou manutenção da prisão e designação de nova audiência
para eventuais testemunhas de defesa. Isso abreviaria o processo em vários
meses, quiçá anos, e evitaria diligências repetitivas, ou pior, a falta de
memória das testemunhas vários anos depois em juízo).
[07] Alteração da
forma dos recursos contra sentenças, para que, em todos os processos,
vigorassem os mesmos princípios que funcionam nos crimes contra a vida, ou
seja, a decisão só é reformada ou anulada se for manifestamente contrária à
prova dos autos (O juiz de primeiro grau que atuou no processo teve contato
imediato com as provas e testemunhas e conhece a realidade dos fatos da
localidade; logo, se a sua interpretação dos fatos for razoável e dentro
daquilo que está nos autos, não há motivo para que seja reformada anos depois,
desembargadores do Tribunal, que não acompanharam as audiências; por outro
lado, tal como ocorre com os jurados nos crimes contra a vida, se a decisão for
fora do razoável, isto é, contrária às provas dos autos, então a decisão seria
cassada para que outra seja dada).
[08] Ampliação das
penas para os crimes que atentam contra o próprio sistema criminal, tais como
falso testemunho ou homicídio de policiais (Não adianta haver um sistema
criminal estruturado, se ele for frágil e sem respostas contra ataques que
sofre. Um sistema que não se valoriza e não exerce sua autoridade só gera a
impunidade e a violação às suas normas. Atualmente, o falso testemunho tem pena
branda, que incentiva chicanas processuais. A fraude processual e os
favorecimentos real e pessoal, crimes que impedem a apuração de delitos ou
incentivam a prática de outros, têm penas irrisórias e sequer são investigados.
O crime de perjúrio não existe – e, lembrando o sistema norte-americano, o
famoso caso envolvendo as investigações contra o ex-Presidente Bill Clinton não
decorreram da suposta relação sexual negada, mas sim da suposta falsidade desta
negação. Além das centenas de policiais militares que perderam a vida na luta
contra o crime, há casos de vários juízes que pagaram com a vida o preço pela
atuação firme e correta, dentre eles a Patrícia Acioli, do RJ, Alexandre de
Castro Martins Filho, do ÉS, e Antônio José Machado Dias, de SP).
[09] Valorização da
experiência do Juiz e do Promotor, com apoio e aprovação da PEC que
restabelece o ATS para integrantes de carreiras públicas remuneradas por
subsídio e que não disponham de progressão funcional horizontal em face do
tempo de serviço (Além das medidas práticas e legislativas, há necessidade de
motivação para os magistrados. Como qualquer instituição ou empresa, além da
estrutura material, é importante haver preocupação com as pessoas que a
compõem. Curiosamente, os Juízes e Promotores são uma das poucas carreiras
jurídicas do país cujos vencimentos são os mesmos ao entrar e sair do serviço público,
pouco valendo a experiência na frente de batalha. Não é à toa que,
recentemente, um conselheiro do CNJ teve de apontar aos demais a preocupação
com o êxodo de magistrados, que, nos últimos cinco anos, 120 solicitaram
exoneração para buscar outra carreira, 328 aposentaram-se antecipadamente e 83
candidatos aprovados em concurso para juiz não tomaram posse para optar por
outra carreira).
[10] Criação de uma
comissão plural no CNJ, com participação dos juízes (por suas associações),
dos Promotores e Procuradores do Ministério Público, Delegados e Advogados para
discussão de outros decálogos com sugestões envolvendo os demais agentes do
Sistema Criminal, inclusive com relação aos projetos de Códigos Penal e
Processo Penal que tramitam no Congresso Nacional.